Joel-Peter Witkin, o polêmico fotógrafo que busca transformar cadáveres, corpos mutilados e deformados em uma forma de arte

Depois de um episódio chocante que o marcou em sua infância, ele se dedicou a explorar os infortúnios humanos e a morte, a fim de construir imagens oníricas e macabras, mas fascinantes.

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Um momento é suficiente para marcar a vida de uma pessoa, especialmente a de um artista. Para Joel-Peter Witkin, esse momento ocorreu quando ele era muito jovem, episódio definitivo para voltar seu trabalho para o macabro, já que foi seu primeiro encontro com o grotesco da morte, mas também com a naturalidade inerente a ela.

Aconteceu em uma manhã de domingo, quando ele, sua mãe e seu irmão gêmeo Jerome estavam se preparando para ir à igreja. Eles estavam descendo as escadas do arrendamento onde moravam e pouco antes de chegar à porta para sair do prédio, um barulho estrondoso foi ouvido na rua.

Houve uma colisão incrível lá fora, três carros colidiram uns com os outros, todos com famílias dentro. O barulho da dor era ensurdecedor e misturado com os gritos de ajuda de vítimas aterrorizadas e transeuntes. De repente, o pequeno Joel se viu sozinho na calçada e sua atenção estava focada em algo rolando para fora de um dos carros virados. O objeto estranho parou bem aos pés dela, era a cabeça de uma garota. Joel se abaixou para tocar o rosto que olhava para ele, mas pouco antes que ele pudesse fazer isso, alguém o levou embora.

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Essa imagem de uma cabeça decapitada seria posteriormente reinterpretada em sua obra, uma das mais interessantes e controversas da fotografia ocidental, que, longe de aderir a ideias estéticas popularmente associadas à beleza, explora o outro lado da moeda, a feiúra como meio de expressão artística, o grotesco como exaltação estética, o anormal, deformado e mundano como uma reivindicação do belo naturalismo humanista.

Embora seu compromisso artístico não tenha sido muito afastado das críticas, ou mesmo da censura, o legado de Joel-Peter Witkin encontrou maneiras de transcender o tempo e fazer presença na vida cotidiana. Suas fotografias de cadáveres, pessoas deformadas ou mutiladas, anões, transexuais ou hermafroditas, geralmente acompanhadas de configurações maximalistas, criaram uma linguagem estética poderosa que é impossível passar despercebida e que sem dúvida influenciou a linguagem cinematográfica do horror moderno apreciável em filmes como Hereditário ou Midsommar do cineasta americano Ari Aster.

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Uma vida ligada à morte

Joel-Peter Witkin nasceu em 13 de setembro de 1939 no Brooklyn, Nova York de uma família composta por um pai judeu e uma mãe católica, uma diferença cultural e religiosa que acabaria sendo intransponível e levaria o casal ao divórcio de uma maneira ruim.

A separação de seus pais em tenra idade fez com que Joel passasse grande parte de sua infância com sua avó, de quem ele se lembra com muito carinho. Ela sofreu durante anos uma gangrena na perna que acabou fazendo com que ela perdesse o membro, em outro episódio-chave relatado pelo fotógrafo, pois ela conta que isso o levou a associar o amor ao cheiro de putrefação e sangue coagulado.

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Durante a década de 1950, aos 17 anos, ele comprou sua primeira câmera e começou a se apaixonar pela arte da fotografia. Ele aprendeu sozinho a usá-lo, descobrindo sua técnica e capturando com ela a triste e macabra visão da vida que adquiriu durante sua infância.

Suas primeiras fotos foram de um rabino que afirmava poder falar com Deus, e um “show de horrores” que aconteceu em Coney Island, que seu irmão Jerome pediu que ele retratasse para usar como inspiração para suas pinturas.

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Jerome, gêmeo de Joel, é um artista de sua própria conta, que optou pela pintura para lidar com os demônios que desde cedo ele compartilhou com seu irmão.

Em 1960, o Exército dos Estados Unidos recrutou Joel durante a Guerra do Vietnã, onde ele foi como fotógrafo e onde pôde ver, novamente, a dureza da morte de perto. Lá ele terminaria de definir seu estilo, dedicando-se quase exclusivamente a retratar os corpos de soldados que cometeram suicídio ou morreram durante os exercícios de treinamento, abraçando assim seu fascínio por corpos, vivos ou mortos, e a violência real ou simbólica que é exercida sobre eles.

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A partir de 1967, depois de voltar da guerra, tornou-se fotógrafo freelance e continuaria a explorar cada vez mais o macabro e as técnicas que o levariam a criar imagens chocantes e sombrias.

A beleza do erotismo horrível e macabro

“Para mim, coisas extremas são como milagres.” Essa frase de Witkin poderia resumir perfeitamente seu trabalho, porque ver uma de suas fotografias significa inevitavelmente entrar em um mundo onírico e perturbador, quase um pesadelo, no qual uma beleza incrível aparece de forma marcante.

Do ponto de vista técnico, o fotógrafo prefere os processos análogos usados para produzir os primeiros daguerreótipos e ambrótipos, uma vez que estes lhe permitem maltratar negativos, produzindo intencionalmente imperfeições na imagem, como arranhões, arranhões ou arranhões, dando fotos efeitos característicos que amplificam o caráter violento da composição e contribuem com um certo aspecto histórico, como se fossem realmente tomados no início do século xix.

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Sobre o assunto, Witkin se concentra nos corpos, mas naqueles corpos que poderíamos descrever como marginais ou imperfeitos. Pessoas mutiladas, anões, hermafroditas ou transexuais, muitas vezes estrelam as fotografias de Witkin, que usam as imperfeições de seus modelos para recriar obras de arte, ou os estilos de outros artistas que são uma influência marcante do fotógrafo.

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Artistas como Velázquez, Giotto, Pablo Picasso ou Joan Miró podem ser citados como influências na obra de Witkin. Mas ele também recria obras de Courbet, Seurat e Dali em suas pinturas fotográficas e algumas de suas composições, como “Fetishista de Negre”, são uma recriação direta de estudos realizados por outros fotógrafos, com detalhes fetichistas inseridos.

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Mas a parte mais controversa de sua arte é trabalhar com cadáveres, que ele diz tirar dos necrotérios em um processo totalmente legal, que ele manipula para criar imagens marcantes de uma forte carga visual.

Em uma de suas fotos mais conhecidas, a chamada “O Beijo”, ele usou uma cabeça decapitada que foi cortada ao meio em um necrotério, e depois invertida para dar a aparência de dois homens que se beijam.

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Para esse tipo de foto, o termo explorador foi usado várias vezes contra Witkin, e seu trabalho sofreu censura em museus e exposições em vários países ao redor do mundo. Ele também foi criticado por usar animais mortos em suas obras e composições.

Mas o trabalho de Witkin vai muito além do assunto da morte e das deformações físicas. Seus modelos são muito bonitos ou claramente deformados e o que expressam com suas poses evoca tudo, desde o mórbido ao erótico.

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Outra obra famosa, a chamada King Woman (1997), retrata uma mulher excepcionalmente alta e obesa vestida e posada como rei de alguma tribo imaginária. Em outra obra chamada Abundancia (1997), ele retrata uma mulher sem pernas ou braços colocados em uma urna, enquanto sua cabeça é coberta por uma variedade de elementos decorativos, como flores e pérolas. Essa mulher simboliza um chifre de abundância, que é um termo que se origina na antiguidade clássica e evoca abundância e sustento.

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No entanto, a mortalidade e suas questões ainda são consideradas por Witkin como a ideia central de suas criações, o esqueleto básico de sua obra, que se baseia em fontes que transcendem a pintura e a fotografia e misturam história, literatura, mitologia ou religião para criar uma fusão surreal e horripilante que muitas pessoas encontro difícil de digerir.

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É por isso que o trabalho desse fotógrafo é provocativo a ponto de não deixar ninguém indiferente que o encontre. Em sua essência, levanta questões morais e humanas, exacerbando as esquisitices do corpo, cadáveres e seus modelos a ponto de criar uma experiência profundamente espiritual e transcendente com sua fotografia.

Sexo é outro de seus principais temas, como afirma o pintor e crítico de arte mexicano Francisco Soriano em uma análise do trabalho de Witkin publicada em seu canal no youtube.

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“A fotografia de Wilkin se move entre assuntos tabu como morte, incesto, sadomasoquismo e outras variantes do sexo extremo”, diz Soriano.

O crítico também destaca a reivindicação de feiura do fotógrafo americano. Uma aposta que é fascinante hoje, encontrar essa estética do grotesco espalhada não só na fotografia, mas também no cinema, teatro ou arte performativa.

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É por isso que ele explica o sucesso de Witkin, que apesar de fortes críticas, acusações de explorador, abusador de animais e censura de seu trabalho, ganhou amplo reconhecimento internacional ao mostrar seu trabalho em importantes galerias e museus, como o Brooklyn Museum em Nova York, Interkamera em Praga, Espaço fotográfico em Osaka, Japão e no Museu de Arte Moderna de São Francisco.

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“Peter Witkin se comporta em um campo simbólico e metafórico do qual não podemos despojá-lo. Não importa o quanto tentemos normalizar seu trabalho, ele não pode ser normalizado porque isso implicaria que entendemos os tabus de todos os tempos e de todas as sociedades e não os entendemos”, enfatiza o crítico.

Portanto, diz ele, Witkin é um autor que trabalha na fronteira do que não podemos entender, a linha tênue entre a vida e a morte, entre o belo e o horrível, entre a beleza e a feiura, entre o erótico e o mórbido, e essa é a grande importância de sua fotografia.

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