A Área Educacional do Museu Castagnino+Macro em Rosário está realizando um projeto de conscientização artística para pessoas cegas no âmbito de uma série de atividades inclusivas, como a produção de guias de áudio, vídeos com línguas de sinais e legendas e outras propostas de acessibilidade no dois locais da instituição. Um dos objetivos é a produção de protótipos e impressão 3D das xilo-colagens de Antonio Berni pertencentes ao acervo do museu. O plano é ter esses trabalhos em 3D, palpáveis e táteis até junho. Para isso, o museu trabalha com o Movimento pela Unidade dos Cegos e Amblíopes de Rosário (MUCAR).
Adaptar obras para os diferentes grupos que visitam o museu — incluindo pessoas cegas e deficientes visuais, surdas ou com deficiência intelectual — tem sido um dos objetivos da Área de Educação.
“Sempre nos interessamos pela inclusão. Começamos a tomar conhecimento de um trabalho muito importante de nossa coleção que é amplamente exibido na sala. Berni é um artista muito importante para Rosarinos e todos os argentinos”, diz Ángela Ríos, membro dessa área.
“Recebemos uma bela resposta de todos os visitantes. Estamos muito gratos e gostamos muito das reuniões com eles, dos passeios das salas, das palestras e das discussões que se seguiram”, acrescenta.
Os cinco xilocolagens que terão sua versão 3D são Juanito pescando (1962), Juanito pesca com rede (1961), Juanito com peixe (1961), Juanito caça aves (1961) e banho Juanito (1961). Em 1962, o artista ganhou o Grande Prêmio de Gravura e Desenho na XXXI Bienal de Veneza com essas obras e outras dez colagens.
O trabalho do artista, que nasceu em Rosário em 1905 e completou seus primeiros estudos em desenho na Academia de Arte do Centro Catalá, faz parte do patrimônio da instituição graças à doação de Domingo Minetti e Gonzalo Martínez Carbonell, dois colecionadores de arte da cidade.
A participação de cada grupo
O programa de acessibilidade do museu tem diferentes atividades e dispositivos. Para compreender e abordar adequadamente a singularidade de cada grupo, foi realizado treinamento com profissionais e instituições adequadas, como o Departamento Municipal de Deficiência, o Círculo de Bordos, a Biblioteca Argentina e o mencionado MUCAR.
Dessa forma, a abordagem é sempre interdisciplinar. Ao longo dos anos, foi criada uma rede colaborativa para pensar, planejar e projetar metodologias de trabalho de acordo com as necessidades de cada grupo.
“Embora já tivéssemos textos em braille e audiodescrições das obras, faltava essa abordagem sensível que tem a ver com a jornada tátil”, diz Ríos. “Todo esse trabalho não pode ser feito somente da instituição, deve ser feito em conjunto, precisamos da percepção do coletivo”, explica Juliana Tomatis, também da Área Educacional do Museu.
“A participação e a inclusão social são alcançadas não apenas eliminando as barreiras de construção impostas por nossas sociedades modernas, mas também tornando o patrimônio acessível por meio de ferramentas e dispositivos focados nas expectativas e necessidades do público que nos visita”, define o museu em seu site.
Florencia Cardú, outra integrante da equipe educacional, acredita que a maior mudança de consciência que precisa ser feita é “aprender a entender as diferentes formas de abordar as obras de arte”. “Essas formas não podem ser estranhas para nós. É um trabalho minuto a minuto que requer muita escuta”, acrescenta.
“Quando fizemos os vídeos com linguagem de sinais, aprendemos, por exemplo, a trabalhar em segundo plano, a não projetar sombras; tivemos que encontrar uma luz adequada. As pessoas com quem trabalhamos, Romina e Eduardo do Círculo de Surdos, estavam nos aconselhando. Também trabalhamos na linguagem da arte para torná-la compreensível, já que não há palavras em linguagem de sinais”, diz Ríos.
“A rede é fundamental, as duas pernas são necessárias. Quando você conhece cada uma das comunidades, é uma experiência de aprendizado para nós entendermos suas necessidades. Eles são sempre muito exigentes e isso é muito bom. Precisamos tornar o problema visível e que eles não são 'os outros', mas que fazem parte da sociedade como um todo”, reforça Cardú.
O projeto também conta com o apoio da Área de Direitos Humanos e do Departamento de Inclusão e Acessibilidade do Município de Rosário, e por professores e alunos da Escola de Engenharia Eletrônica e Mecânica da Faculdade de Ciências Exatas, Engenharia e Topografia do Nacional Universidade de Rosario.
O trabalho em três dimensões
O processo de impressão 3D começa a partir de uma foto do trabalho original. O primeiro passo é vetorizar cada imagem. A vetorização consiste em converter imagens compostas de pixels em imagens compostas por vetores. Uma imagem vetorial é uma imagem digital composta de objetos geométricos (segmentos, polígonos, arcos, paredes), cada um definido por atributos matemáticos de forma, posição. Com esta versão, a equipe de engenharia de sistemas realiza uma impressão 3D.
Com a primeira versão impressa, uma abordagem tátil é feita no MUCAR: os cegos indicam se conseguem ou não identificar os elementos que aparecem em relevo. Em seguida, com as sugestões recebidas, ele é vetorizado limpando alguns detalhes que podem dificultar a identificação correta. Depois de corrigida, a versão final é impressa.
“Com as placas 3D da série Juanito Laguna, que tem muitos dados, foi necessário encontrar uma narrativa de cada obra. A metáfora da vara de pescar era fundamental”, descreve Cardú. “Quando há tantos elementos, há coisas que têm que ser apagadas”, acrescenta.
Juanito Laguna é inspirado nas crianças dos bairros pobres da cidade. “Juanito é um menino pobre, mas não um menino pobre. Ele não é superado pelas circunstâncias, mas um ser cheio de vida e esperança, que supera sua miséria circunstancial porque sente viver em um mundo cheio de futuro”, descreveu o artista.
Um símbolo de Rosário
O Museu Castagnino+Macro é composto por dois espaços: um histórico, o Museu Municipal de Belas Artes Juan Castagnino, criado em 1937, e o contemporâneo, o Museu de Arte Contemporânea do Rosário, que abriu suas portas em 2004, como anexo para conter as obras de arte contemporânea que fizeram parte do a herança. Entre eles, a coleção de xilo-colagens de um dos artistas emblemáticos de Rosário.
Em 1920, Berni realizou seu primeiro show solo. Em 1925, ele viajou para a Europa graças a uma bolsa de estudos concedida pelo Rosario Jockey Club. Ele se interessou pelo surrealismo e, ao mesmo tempo, foi atraído por artistas renascentistas. Em 1930, ele retornou ao país com sua esposa e filha francesas. A situação política, social e econômica da década de 1930 definiu sua personalidade plástica, marcada por sua identificação com as ideias políticas socialistas. Estabeleceu-se em Rosário em 1933, onde dirigiu a Sociedade Popular Mutual de Estudantes e Artistas Plásticos, e incentivou jovens artistas a expressarem sua discordância política e social. Entre eles, Juan Grela, Leonidas Gambartes e Lino Enea Spilimbergo.
Berni sempre se preocupou com as injustiças sociais e, em particular, com a vida das crianças pobres. A série de Juanito Laguna foi feita em xilocollage, uma técnica da disciplina de gravura. A gravura é uma técnica de impressão artística que envolve a transferência para o papel de uma imagem desenhada com instrumentos afiados (goivas) em uma placa de madeira chamada taco, que é pintada e impressa em papel. A peculiaridade dessa técnica é que, por ser uma impressão, ela permite que o artista repita a mesma imagem quantas vezes quiser.
Berni inventou uma nova técnica de gravação que chamou de “xilocollage”, que consistia em colar diferentes objetos no bloco de madeira no qual ele produziu a imagem. Desta forma, quando ele pintou o taco, não só a imagem foi impressa, mas também a impressão dos diferentes elementos que ele colou na madeira (por exemplo, pedaços de metal, moedas, pontas dos pés e muito mais). Em suma, a invenção de Berni será transformada em 3D e seu trabalho será tátil e inclusivo.
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Esta nota faz parte da plataforma Solutions for Latin America, uma aliança entre a INFOBAE e a RED/ACTION.