A história da única livraria sobrevivente em Villa de Leyva

Em frente ao Parque Antonio Nariño está esse comércio de livros que persiste em sua proposta cultural, no meio de lojas de artesanato e antiquários

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A caverna dos momentos infinitos

Acho que isso acontece com muitas pessoas da mesma forma. Talvez seja uma coisa de leitor, um passeio, um capricho. Toda vez que viajo para um lugar, carrego comigo um livro, ou dois, às vezes três. Não posso ir a lugar nenhum sem um livro na minha mala. Não importa se vou demorar um pouco em um lugar ou se vou passar horas do lado de fora. O livro é como minha droga, minha dose pessoal de heroína. E é assim que minha maneira de me conectar com as pessoas e lugares que visito também funciona. Não importa aonde eu vá, sempre acabo procurando uma livraria. Não consigo criar um link completo para um site se não encontrar uma livraria, não importa quão pequena ela seja.

Eu viajo para Villa de Leyva consecutivamente desde 2019, sempre para o momento em que o Festival de Cinema Independente acontece. Eu já tinha visitado o município antes, mas não tinha prestado muita atenção a ele. Ele era muito jovem ou tolo demais para perceber a magia do lugar. Naquele 2019, no espírito de cobrir o festival, fiquei três dias no Hotel La Española e de lá visitei o local como não havia feito antes. Eu estava acompanhado naquela época por um bom amigo, um tremendo fotógrafo que a cada passo encontrava uma imagem que valia a pena guardar na minha memória. Eu disse a ela: “Quero procurar uma livraria”. Encontramos alguns antiquários, dois ou três. Em um deles, havia alguns livros. Muito poucos. A inscrição na porta dizia “Antiguidades - Livros”, mas eram mais antiguidades do que livros. Eu não estava totalmente satisfeito. Continuamos andando, com o sol batendo em nossos rostos e quando estávamos desistindo, encontramos.

Uma casa com fachada branca, quase cinza de poeira, e uma pequena porta, mal para duas pessoas entrarem. Em ambos os lados da porta, alguns anúncios que diziam: 'LIVRARIA' e, de um lado, uma placa onde se lê: 'LIVROS DE ARTE - ARTESANATO'. Entramos e depois de uma pilha de livros amarelados apareceu um homem de cerca de 36 anos, cabelo preto e curto, um nariz entre arrebitado e gordo. “Bem-vindo, o que você está procurando”, disse ele. Agradecemos e dissemos que estávamos felizes em encontrar uma livraria, que estávamos caminhando há um bom tempo. “Estamos aqui há alguns meses. Bem, viemos com frequência, mas foi quando ficamos”, disse. Ele nos disse que era uma livraria móvel. Ele foi de um lugar para outro, passeando por Boyacá, com livros para as pessoas, livros usados. “Fizemos bem porque somos os únicos.” Perguntamos se os moradores compraram muitos livros e ele não nos disse como queria. “As vendas são para pessoas que vêm de fora. Os turistas vêm em busca de coisas para levar, sempre.”

Além dos livros, havia máquinas de escrever antigas, mais para decorar do que usar, fotografias antigas, relógios, pinturas, copos, discos e até um brasão de armas. Havia de tudo. Era como um escritório de escritor no século XIX. Estivemos lá por uns 60 minutos. Vimos livros de arte, dicionários, enciclopédias e olhamos as prateleiras. No meio da pesquisa encontrei três livros que me chamaram a atenção: Cem Anos de Solidão, uma reedição da editora sul-americana, Rayuela, em sua décima segunda edição pela mesma editora e uma versão de El viejo y el mar, publicada pelo Circulo de Lectores. O primeiro livro era um tanto ilimitado e tinha um preço que, por sua condição, me pareceu injusto. Eu me apaixonei pelo livro de Cortázar e chego perto de pegá-lo, mas o que eu tinha no bolso não era suficiente para mim. Decidi, muito antes de considerar os outros dois, por causa do livro de Hemingway, que na primeira página tinha uma assinatura que não consegui identificar e a data de julho de 1985.

Quando eu era criança, minha mãe lia para mim uma edição ilustrada do livro do americano. Com o tempo, a cópia se deteriorou e decidi remover as ilustrações para preservá-las, enquanto encontrei outra cópia do meu agrado, uma muito parecida com essa. Até então, eu a procurava há muito tempo. Entrei em livrarias e nenhuma edição me convenceu. De repente, lá estava ele, esperando por mim. Foram quase oito anos de busca. Ele me encontrou e eu a encontrei no lugar menos pensado. Certa vez, um amigo livreiro me disse que os livros sempre chegam até nós das formas mais inesperadas, o que pode levar anos, mas no final, eles sempre chegam.

Comprei sem hesitar, eufórico, e também tirei uma edição antiga de The City and the Dogs. Eu disse ao livreiro que voltaria outra vez para o livro de Cortazar. “Espero que não o levem embora”, disse. Saímos da livraria e, quando voltei para Bogotá, percebi que tinha esquecido de perguntar o nome do lugar, ou de perguntar ao homem o nome dele. Fiquei triste, mas me forcei a não esquecer o episódio. Felizmente, um ano depois, com vírus andando, voltei, mais uma vez para cobrir o festival de cinema. Assim que tive um tempo livre, fui em busca da livraria. Lá estava. O livreiro era o mesmo, a entrada era a mesma.

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“Você pode não se lembrar de mim, mas eu estive aqui há um ano”, eu disse. O homem olhou para mim e disse que não, que havia muitos rostos que eu vi. Eu disse a ele que entendia e perguntei sobre a amarelinha que eu tinha visto naquela época. “Aaaa sim. Lembro que perguntaram a ela”, disse ela, mas não se lembrava de mim, apenas alguém que pegou suas mãos um ano antes e olhou para ela carinhosamente. “Acho que ele ainda está aqui.” Ele me disse onde procurar e sim, lá estava. Era a mesma cópia. Não havia se deteriorado nem um pouco. Ele estava esperando por mim. Eu rapidamente pegaram o livro em minhas mãos e o abri nas primeiras páginas. “Eu encontraria La Maga?” Abracei esse momento e sem dizer mais disse ao livreiro: “Vou levá-la”. Ele sorriu porque, de alguma forma, reconheceu em minha voz o alívio do leitor que havia embarcado em uma longa busca.

Pelo segundo ano, saí do site sem perguntar nenhum nome, nem a livraria nem o livreiro. Quando chego a Bogotá, abri a cópia nas primeiras páginas e encontrei duas coisas: a primeira, uma nota em letras incompreensíveis que conseguiu identificar dois nomes, Julio Acosta e Cecilia Díaz Granados; a segunda, uma dedicatória que lê algo como... “Chegar ao céu na minha imaginação, em uma livraria, e é como uma música” - Livraria Rayuela. Bogotá, 12/XI/71. Fiquei pensando nas histórias além da história que os livros carregam consigo. Eu queria saber como seria aquela livraria com o nome do romance mais icônico de Julio Cortázar na época. Quando fui guardar o livro, um pedaço de papel caiu no chão. Peguei-o e percebi que era a resposta que veio depois de me arrepender da minha negligência.

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É aí que estavam todos os dados. Eu não precisava fazer mais nada. E assim, mesmo com telefones, voltei pelo terceiro ano ao site. Naquela ocasião, eu não comprei nada para mim, ou bem, eu não fiz isso com essa intenção. Tomei, com o espírito de dar de presente, uma edição do Aire de Tango, de Manuel Mejía Vallejo. Dentro havia uma assinatura ilegível seguida de algumas informações sobre alguém: “Calle 100 # 19 - 45. Apt. 501 ″ e uma data: outubro de 1974. Eu dei essa cópia para alguém muito importante na época. Hoje, essa cópia está na minha biblioteca, e essa pessoa acorda todos os dias ao meu lado.

É impressionante notar os caminhos que os livros seguem antes de chegarem até nós, as mãos pelas quais passam e os lugares que ocupam. Devo muito a esta pequena livraria em Villa de Leyva, embora a visite uma vez por ano e ainda não me atreva a lembrar o nome do livreiro. Agradeço a ele por cada momento que ele me deu, porque a cada visita algo muda na minha vida, algo me leva, algo que eu recebo. Não é apenas uma livraria, nenhuma realmente é, são buracos de minhoca que nos levam de um lugar para outro, embrulhados em páginas amareladas e com o cheiro de velho. Eles são como uma caverna de momentos infinitos. Sim, isso é o que eles são.

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