A esquizofrenia é um transtorno mental grave que afeta 24 milhões de pessoas em todo o mundo. Ou seja, uma em cada 300 pessoas viverá com essa doença ao longo da vida. O drama dessa doença vai além de suas próprias consequências associadas - ela tem duas a três vezes maior probabilidade de morte prematura -, uma vez que a pesquisa é há anos uma espécie de caixa preta que impediu o progresso em seu tratamento.
Agora, dois estudos publicados pela revista científica Nature, alcançaram um marco nesse campo, pois descobriram genes específicos que estão envolvidos no desenvolvimento da doença. Por um lado, uma equipe científica internacional, com participação de 45 países, associou esse distúrbio a uma falha na comunicação da sinapse (a união entre neurônios).
Segundo os autores, este é o maior estudo genético da história deste transtorno psiquiátrico, no qual analisou o DNA de 76.755 pessoas com esquizofrenia e 243.649 sem ele para entender melhor os genes e processos biológicos que sustentam esse transtorno - a análise incluiu mais de 7.000 pessoas de ascendência afro-americana ou latina.
O estudo do Psychiatric Genomics Consortium (PGC), liderado pela Universidade de Cardiff, no Reino Unido, e com participação espanhola, descobriu um número muito maior de ligações genéticas com a esquizofrenia, em 287 diferentes regiões (loci) do genoma.
A equipe afirmou que este estudo global lança “a luz mais forte” sobre a base genética da esquizofrenia. “Pesquisas anteriores haviam mostrado associações entre esquizofrenia e muitas sequências anônimas de DNA, mas raramente foi possível vincular descobertas a genes específicos”, explicou o pesquisador Michael O'Donovan, da Universidade de Cardiff, em comunicado.
O presente estudo não apenas aumentou muito o número dessas associações, mas agora foi possível “vincular muitas delas a genes específicos, um passo necessário no que continua sendo um caminho difícil para a compreensão das causas desse distúrbio e a identificação de novos tratamentos”.
Especificamente, a equipe encontrou um “aumento substancial” no número de regiões genômicas associadas à esquizofrenia e dentro dessas regiões identificou 120 genes susceptíveis de contribuir para o transtorno. Embora exista um grande número de variantes genéticas envolvidas na esquizofrenia, o estudo mostrou que elas se concentram em genes que são expressos nos neurônios, apontando para essas células como o local mais importante da patologia.
Os resultados também sugerem que o funcionamento anormal dos neurônios na esquizofrenia afeta muitas áreas do cérebro, o que poderia explicar seus vários sintomas, que podem incluir alucinações, delírios e dificuldade para pensar claramente.
O trabalho “revela claramente que a origem desta doença está em alterações no desenvolvimento do sistema nervoso, algo que não era conhecido até agora”, disse a Universidade Espanhola de Granada, que participa do estudo: o trabalho abre as portas para novos medicamentos que modulam o neurotransmissor chamado glutamato.
Em outro estudo também publicado na Nature, elaborado pelo Consórcio SCHEMA (Meta-análise do Exoma da Esquizofrenia) e cientistas do Broad Institute do MIT e Harvard, nos Estados Unidos, foram identificadas mutações genéticas extremamente raras que alteram proteínas em 10 genes e que aumentam significativamente o risco de desenvolver esquizofrenia.
Com uma amostra de 24.248 pessoas com esquizofrenia e 97.322 sem ela, o grupo de pesquisadores identificou que aqueles com esquizofrenia tinham uma variação “ultra-rara” em 10 genes específicos, o que aumentava o risco de uma pessoa desenvolver esquizofrenia. Essas variantes, que eles chamaram de PTV (variantes de truncamento de proteínas), impedem que as células produzam sua proteína completa. Além disso, eles apontaram para uma relação entre a doença e 22 outros genes danificados.
São esses defeitos nos genes que causam o mau funcionamento da sinapse, algo que, em 2016, pesquisadores também do Broad, Harvard e Boston Children's Hospital já haviam identificado. No entanto, no caso deles, eles se concentraram em um único gene, o C4, que causaria “poda” excessiva da sinapse, desencadeando o risco de esquizofrenia.
O novo estudo enfoca, entre outros, os genes GRIN2A e GRIA3, responsáveis por codificar partes do receptor de glutamato, um neurotransmissor que está presente em 90% das sinapses cerebrais e atua como mediador de informações sensoriais, motoras, cognitivas, emocionais, bem como a formação da memória e sua recuperação.
O glutamato já havia sido identificado como potencialmente implicado no desenvolvimento da esquizofrenia (também em outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer), mas agora há provas genéticas sólidas disso. Além disso, a atividade do GRIN2A atinge o pico no cérebro durante a adolescência, o estágio em que as pessoas geralmente apresentam os primeiros sintomas.
Juntos, esses artigos destacam uma visão emergente da esquizofrenia como uma falha na comunicação na sinapse (a união entre neurônios) e ilustram como diferentes tipos de variação genética que afetam os mesmos genes podem influenciar o risco de diferentes genes transtornos psiquiátricos e do neurodesenvolvimento.
O professor James Walters, diretor do MRC Center for Neuropsychiatric Genetics and Genomics da Cardiff University, afirmou: “Esperamos que os resultados deste estudo e os que o acompanham sirvam para avançar na compreensão do transtorno e facilitar o desenvolvimento de radicalmente novos tratamentos.”
Como aponta Benjamin Neale, um dos autores responsáveis pelo estudo SCHEMA, ambos os projetos convergem em grupos semelhantes de genes e mecanismos biológicos, o que patenteia que existe “uma relação entre a biologia sináptica e o risco de esquizofrenia”. “Nossa esperança era que acabássemos com uma certa sobreposição nas histórias”, diz o pesquisador.
Conhecendo os mecanismos da esquizofrenia, a ciência está um passo mais perto de conseguir um tratamento que consiga conter a progressão da doença, embora ainda haja mais progresso em seus mecanismos.
Com informações da EFE
CONTINUE LENDO: