Eram 5:25 da manhã de 12 de dezembro de 1957. Um homem afro-peruano alto e magro apareceu, guardado e arrastado por cinco policiais até uma parede. Ele estava amarrado a um poste de três metros de altura. Na frente dele, oito guardas estavam esperando por ele com rifles na mão. “Sou inocente!” , ele gritou antes que as balas fossem descarregadas. Aqueles que testemunharam a execução se perguntaram se ele era realmente culpado do crime de matar e estuprar uma criança; se Jorge Villanueva Torres era realmente o 'monstro de Armendáriz', um enigma que nunca foi resolvido na justiça peruana e que deixou dúvidas sobre a pena de morte neste país.
A história fatal deste acusado sem provas começou nos primeiros dias de setembro de 1954 perto das praias de Lima, na ravina de Armendáriz — que divide os distritos de Miraflores e Barranco — quando dois estudantes encontraram o corpo de Julio Hidalgo Zavala, um menino de três anos. Os jovens correram para pedir ajuda. As pessoas curiosas se aproximaram, a imprensa chegou e os policiais fecharam o local. Entre as pessoas estava Abraão, o pai do menor, que, ao ver o cadáver espancado de seu filho descoberto, começou a gritar. Eu queria justiça.
O corpo do menino foi submetido a uma autópsia no necrotério central em Lima. Ele tinha lesões na eminência frontal, bem como na extremidade inferior do mesmo lado. Havia sujeira em suas narinas. Ele teve algumas partes de seu corpo mordidas por roedores, então foi determinado que a morte havia ocorrido 24 horas antes da descoberta. Algo estranho acontece aqui: a Polícia Investigativa Peruana não chegou a mais nenhuma conclusão sobre o caso.
Nas ruas, nas estações de rádio e nos jornais, eles foram convidados a capturar o culpado. Os pais não deixavam seus filhos saírem para brincar nas ruas. Dezenas de guardas civis e republicanos vigiavam as ruas de Lima em busca de uma pista para encontrar o assassino: houve incursões nos bares, bilhar e cantinas, mas nada foi alcançado. A população da capital começou a pressionar.
TESTEMUNHA
“Ele era um cara negro alto. Ele me comprou 20 centavos de nougat para o garoto. Eu posso reconhecê-lo”, disse Ulderico Salazar, um vendedor de nougat que trabalhava no mesmo quarteirão onde o pequeno Julio morava. As autoridades confiaram, acima de tudo, em seu testemunho.
O vendedor alegou ter visto o culpado, um negro, levar Julio pela Ravina de Armendáriz. Eles prenderam os vagabundos que estavam perto do distrito, tiraram várias fotos deles e, em uma mesa, pediram que ele apontasse o assassino. “É isso”, respondeu. Foi Jorge Villanueva Torres, mais conhecido nas ruas como o 'Negro Torpedo'.
O réu estava sentado em frente a Ulderico. Ele o examinou novamente e insistiu: “É ele”.
Quando questionado sobre os detalhes, o comerciante especificou que, ao sair do Parque Barranco Villanueva, foi parado para comprar alguns doces para o menino. “Ele usava calça marrom, sapatos mocassins e um polegar chato”, assim como Villanueva Torres tinha.
“Consegui identificá-lo porque ele tinha um dedo torto, como o homem que me comprou o doce para o Julito”, disse à imprensa.
A partir desse momento, Jorge Villanueva Torres não era mais o 'Negro Torpedo' e se tornou o 'monstro Armendáriz'. O racismo e a conservadora Lima da época trouxeram um papel de liderança: havia alguém responsável pelo assassinato da criança e eles queriam que ele pagasse com sua vida.
ELES PEDIRAM A PENA DE MORTE
Jorge Villanueva Torres tinha uma má reputação no bairro de Barranquino. Ele roubou bolsas nos bondes. Ele era um pequeno criminoso conhecido em delegacias e, aos 35 anos, já havia posto os pés na cadeia várias vezes. No entanto, ele sempre alegou sua inocência sobre esse crime.
O povo de Lima exigiu que a morte fosse aplicada. Houve uma manifestação pública do lado de fora da casa da vítima. “Morte ao monstro”, gritaram as pessoas que se reuniram lá para pedir justiça.
Os investigadores continuaram a interrogar o acusado até que depois de vários dias, em 14 de setembro de 1954, o suposto assassino aceitou sua culpa. Jornais e estações de rádio começaram a espalhar a notícia: o 'monstro Armendáriz' era o assassino. Ele foi confinado à Penitenciária Central enquanto aguardava seu julgamento.
O JULGAMENTO
Jornalistas, curiosos, advogados e manifestantes exigindo a pena de morte contra Villanueva Torres lotaram todas as manhãs na porta do Terceiro Tribunal Correcional, o local do julgamento.
A defesa do réu foi tomada por Carlos Enrique Melgar, um jovem advogado da Universidade de San Marcos, que queria provar que seu cliente não era culpado. Ele conseguiu que a acusação de estupro fosse retirada porque não havia provas e argumentou que poderia ter sido vítima de um motorista de um carro, que após atropelar o menor o teria deixado separado na descida de Armendáriz. Ele também mencionou que a confissão de seu patrocinador sobre o crime havia sido devido à pressão, já que, em suas palavras, havia sido prometido a ele que passaria menos tempo na cadeia.
Jorge Villanueva Torres gritou que ele tinha sido forçado a se culpar, que ele não tinha matado o menino e que ele estava lá por engano. Ninguém acreditou nele. A atitude rebelde de um ladrão pequeno jogou contra ele.
O turronero Ulderico Salazar foi a testemunha principal; ele continuou a jurar uma e outra vez que o 'monstro Armendáriz' era o réu. Ele tinha visto isso. Ele foi o culpado. Não foi suficiente para o réu se defender, mas os gritos que ele estava jogando no tribunal também não o ajudaram muito.
Dois anos, entre idas e vindas, o julgamento durou. Em 8 de outubro de 1956, a sentença foi proferida sob pressão popular: condenado à morte pelo assassinato do jovem Julio Hidalgo Zavala, julgado pela Constituição de 1933, que foi aprovada pelo governo do ex-presidente Luis Miguel Sánchez Cerro.
Os gritos de Villanueva Torres foram ouvidos na sala. Ele explodiu com raiva. Ele queria atacar os magistrados. Ele teve que ser controlado e amarrado pela polícia enquanto a palavra “justiça” era ouvida no tribunal.
“Eu cometi muitos crimes. Tenho sido um homem mau, mas esse crime não me pertence”, disse em voz quebrada em sua defesa.
Em dezembro de 1957, a Segunda Câmara do Supremo Tribunal confirmou a condenação revisando-a. “Com certeza inequívoca de que ele é um agente responsável por periculosidade excepcional e comportamento inmodificável, ele reivindica a sanção mais severa”, lê-se na decisão.
O advogado de defesa, que se havia envolvido plenamente no caso, respondeu: “Não há sinais de condenação à morte. Não há convicção, o fazendeiro de nougat mente. Em caso de dúvida, você tem que ser a favor do réu, Indubio pro reo!” , referindo-se ao que está declarado na Constituição.
TIRO
Às 5:25 da manhã de 12 de dezembro de 1957, o juiz de instrução Carlos Carranza Luna e o notário Froilán Manrique entraram na carceleta onde Jorge Villanueva Torres estava para registrar a execução na Penitenciária de Lima.
O maldito 'monstro de Armendáriz' foi espancado e arrastado, a ponto de insultos para o campo de tiro. Ele continuou alegando sua inocência. Em um ponto ele parou de resistir, ninguém iria ajudá-lo ou tirá-lo de lá. Ao seu redor, havia 67 espectadores naquele pátio que tinha vinte e quatro metros de comprimento por vinte e dois metros de largura.
Oito membros do regimento da Guarda Republicana, comandados pelo alferes Orlando Carrasco, entraram em cena para prosseguir com a pena de morte. Eles ofereceram um capuz ao homem, mas ele não quis. Ele só os deixou colocar um cocar preto em cima do terno porque era para lá que os tiros deveriam ir.
“Você é o culpado pela minha morte”, disse Villanueva Torres diretamente ao juiz e escriba antes de ouvir o “estrondo” dos tiros. Como a lei indicava, Carrasco se aproximou e deu-lhe o tiro de graça na têmpora direita.
“Cavalheiros, a justiça foi feita”, disse o diretor da prisão à plateia.
O FINAL NÃO RESOLVIDO
Dias após o tiroteio, Ulderico Salazar, a testemunha mais importante do caso, disse: “Espero que a sociedade me dê um emprego estável para sustentar meus três filhos”. O jornal La Prensa informou que o comerciante havia se contradizido mais de 30 vezes no processo.
Juan Bautista Caspari, o padre que acompanhou Villanueva Torres até os últimos minutos de sua vida, disse que sempre se declarou inocente.
Cinquenta anos depois, Victor Maúrtua Vasquez, advogado médico e testemunha da execução, disse ter observado uma reconstrução imprecisa da sequência de lesões no corpo do menor. Aparentemente, o menino havia sido atropelado e deixado ao lado da descida de Armendáriz, algo que o advogado de defesa havia assumido durante o julgamento.
Em 2017, o então presidente do judiciário, Duberlí Rodríguez, confessou que a instituição avaliaria a possibilidade de absolver postumamente Jorge Villanueva Torres. No entanto, nada foi alcançado e até agora não foi formalizado.
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