Há quatro anos, quando os protestos começaram em abril de 2018, o regime de Daniel Ortega escolheu a estratégia de isolamento da Nicarágua para sobreviver como uma Coreia do Norte aninhada na América Latina. Para a pesquisadora, Elvira Cuadra, o cálculo político de Ortega falhou.
“É um cálculo político errado porque eles estavam apostando na construção de um novo alinhamento de apoio político com a Rússia, China, México, Bolívia, Venezuela, Cuba e alguns países da América Central, além de pequenos países como Ossétia, Abkhazia, etc. apoio na Rússia, China e Irã, mas esses salva-vidas foram adiados considerando a situação que surgiu com a invasão russa da Ucrânia”, explica o sociólogo.
Ortega expulsou diplomatas que estão desconfortáveis para ele, incluindo o embaixador do Vaticano, expulsou e fechou as portas para órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos, impedir a entrada de jornalistas estrangeiros e muitas vezes usa linguagem cheia de insultos contra países que questionam sua narrativa sobre presos políticos, ausência de garantias democráticas e repressão.
Ao mesmo tempo, internamente, desde um ano atrás, ele começou a reter passaportes para impedir a saída legal de oponentes e seus próprios apoiadores.
“Acho que é uma combinação de arrogância e cálculo político errado”, acrescenta Cuadra. “Arrogância pela forma como os representantes diplomáticos são maltratados, o tipo de fala ou linguagem que usam e a forma como lidam com as relações, especialmente em tempos de tensão, como Espanha, Vaticano, Argentina e Colômbia, entre os mais recentes.”
Aqui estão dez das muitas ações que Daniel Ortega tomou nos últimos quatro anos para transformar a Nicarágua em uma Coreia do Norte latino-americana:
1- Expulsão da CIDH. Em 19 de dezembro de 2018, o governo de Daniel Ortega ordenou a expulsão “imediata” do Mecanismo Especial de Acompanhamento para a Nicarágua (Meseni) e do Grupo Internacional de Peritos Independentes (GIEI), ambos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), alegando que não estavam reunindo “seus objetivos.” A expulsão ocorreu um dia antes de o GIEI apresentar seu relatório final em Manágua sobre os eventos violentos ocorridos no país entre 18 de abril e 30 de maio de 2018, no qual concluíram que “o Estado da Nicarágua realizou condutas que, de acordo com o direito internacional, deveriam ser consideradas crimes contra humanidade, particularmente assassinato, privação arbitrária de liberdade e o crime de perseguição”.
2- Retenção de passaporte. Em um evento sem precedentes na Nicarágua, o regime de Daniel Ortega começou em junho do ano passado a reter passaportes por razões políticas. Funciona assim: quando a pessoa apresenta sua documentação de viagem, o Oficial de Migração a notifica de que o passaporte está com defeito e não pode viajar. O passaporte é retido e raramente foi devolvido. Esta medida foi inicialmente usada contra líderes da oposição, jornalistas independentes e críticos religiosos, mas depois incluiu funcionários do regime, líderes militares e políticos que procuravam sair “sem permissão”.
3- Rejeição de jornalistas estrangeiros. Em novembro passado, o regime de Daniel Ortega impediu a entrada de jornalistas independentes no país que queriam cobrir as eleições ocorridas naquele mês. Somente jornalistas politicamente relacionados ao regime foram autorizados a entrar. Essa prática havia sido realizada há anos e estava de acordo com a intenção da ditadura de impor sua narrativa aos acontecimentos ocorridos na Nicarágua. Em junho de 2021, por exemplo, o governo impediu que o jornalista Anatoly Kurmanaev, do The New York Times, entrasse na Nicarágua. Apesar de cumprir todos os requisitos de viagem, Kurmanaev foi notificado do cancelamento de sua passagem para Manágua pela companhia aérea em que viajava, devido à proibição do regime nicaraguense.
4- Retiro do embaixador na Espanha. Em 10 de março, o regime nicaraguense retirou seu embaixador na Espanha, Carlos Midence, alegando “pressões e ameaças interferentes” contra o diplomata. “Esta decisão responde às contínuas pressões de interferência e ameaças contra nosso embaixador, que impossibilitam a realização de trabalhos diplomáticos”, explicou o Ministério das Relações Exteriores da Nicarágua em uma carta ao Ministério das Relações Exteriores espanhol. Seis meses antes dessa decisão, o governo de Ortega impediu o retorno à Nicarágua da embaixadora espanhola María del Mar Fernández-Palacios sem explicação. O governo da Espanha tem criticado a deriva autoritária de Ortega.
5- Expulsão do embaixador colombiano. Em 23 de fevereiro, o regime nicaraguense retirou as credenciais do embaixador da Colômbia, Alfredo Rangel Suárez, a quem chamou de “intromissão ofensiva nos assuntos internos do país”, de acordo com uma nota do Ministério das Relações Exteriores da Nicarágua. A reação do governo nicaraguense veio pouco depois que a Colômbia ordenou que o embaixador Rangel Suarez retornasse ao seu país depois que Daniel Ortega afirmou que a Colômbia é um “narcoestado”. “É um narcoestado, onde os crimes são impressionantes”, disse Ortega em um ato policial em 17 de fevereiro, referindo-se à Colômbia.
6- Insultos diplomáticos. O regime nicaraguense tornou o insulto uma marca registrada de sua gestão diplomática. Em momentos diferentes, os governos do Canadá, Estados Unidos, México, Colômbia, Espanha e Argentina foram alvos. “O papel da miséria cultural, histórica e política que o México desempenha hoje é lamentável, quando acreditamos que a miséria humana e a mesquinhez, essa miséria, acabaram com o neoliberalismo e iniciaram um ciclo de compreensão e respeito, com o novo governo do qual você faz parte”, disse em setembro do ano passado um carta de protesto do Ministério das Relações Exteriores da Nicarágua ao embaixador do México na Nicarágua, Gustavo Cabrera, logo após o diplomata mexicano compartilhar um tweet do escritor nicaraguense Sergio Ramírez Mercado, acusado judicialmente pelo regime de Ortega de “realizar atos que incentivam e incitam o ódio e violência”.
7- Convite para terrorista iraniano. O ponto alto da nova posse de Daniel Ortega em 10 de janeiro foi a presença como convidado de honra do vice-presidente de Assuntos Econômicos do Irã, Mohsen Rezai, personagem acusado pelo sistema de justiça argentino de organizar o ataque terrorista de 18 de julho de 1994 na Israeli Mutual Associação Argentina (AMIA), que deixou mais de 80 mortos e 300 feridos. O Ministério das Relações Exteriores da Argentina protestou no dia seguinte contra o governo nicaraguense pela presença de Rezai, que “constitui uma afronta à justiça e às vítimas do brutal ataque terrorista”. Um alerta vermelho da Interpol pesa sobre o iraniano.
8- Expulsão do núncio. Em 6 de março deste ano, o regime de Daniel Ortega ordenou que o representante do Papa na Nicarágua, o Núncio Apostólico Waldemar Stanislaw Sommertag, deixasse “imediatamente” o país. Por meio de um comunicado, o Vaticano disse que recebeu a decisão com “surpresa” e “dor” ao mesmo tempo que a considera “grave e injustificada”. Embora as causas da expulsão não tenham sido apresentadas, foi dito não oficialmente que os esforços do Núncio para a libertação e tratamento humanitário dos presos políticos causaram isso.
9- Expulsão do homem magro da Cruz Vermelha. Em 24 de março, soube-se que o regime de Ortega expulsou o delegado residente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Thomas Ess, da Nicarágua. “O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) confirma que recebeu uma carta na qual o Governo da Nicarágua notifica que decidiu retirar a aprovação ao nosso chefe de missão na Nicarágua”, explicou María Cristina Rivera, coordenadora de comunicações da Cruz Vermelha para o México e América Central. Ele também disse que não sabia os motivos da expulsão e que essa decisão os pegou “de surpresa”.
10- Colapso eleitoral. Nada isolou mais o regime de Daniel Ortega do que sua decisão de impedir a competição eleitoral em novembro passado, com o objetivo de se reeleger por um quarto mandato consecutivo apesar da falta de simpatia que tem entre os nicaraguenses, segundo as últimas pesquisas independentes. Ortega controlou totalmente o tribunal eleitoral com seus lealistas, eliminou os partidos da oposição e prendeu sete adversários que tentaram competir. Após as votações sem competição, mais de 40 países ao redor do mundo desconheciam os resultados, incluindo Estados Unidos, Canadá e União Europeia. Em 12 de novembro, a Assembleia Geral da OEA aprovou, com 25 votos a favor, sete abstenções e apenas um voto contra, o da Nicarágua, uma resolução afirmando que as eleições na Nicarágua “não foram livres, justas ou transparentes e não têm legitimidade democrática”.
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