5 chaves para analisar as eleições na França

Um guia sobre o que assistir na noite de domingo, quando os resultados do primeiro turno presidencial são conhecidos

FILE PHOTO: Official campaign posters of French President and centrist LREM party candidate for re-election, Emmanuel Macron, Marine Le Pen, leader of French far-right National Rally (Rassemblement National) party, and Jean-Luc Melenchon, leader of the far-left opposition party La France Insoumise (France Unbowed - LFI) are displayed at France Affichage Plus dispatch hub in Mitry-Mory, outside Paris, France, March 22, 2022. REUTERS/Benoit Tessier/File Photo

Se as sondagens se concretizarem, os eleitores franceses começarão neste domingo, 10 de abril, o processo em duas etapas de eleição de um presidente.

Muita coisa mudou desde que Emmanuel Macron se tornou presidente em 2017: uma pandemia global e uma grande conflagração na Europa estão no topo da lista. No entanto, é provável que a votação leve a outro confronto entre Macron e a aspirante a extrema-direita Marine Le Pen, apesar da presença de novos rostos na campanha eleitoral. Uma segunda rodada de votação é esperada em 24 de abril.

The Conversation publicou um guia sobre o que assistir nas eleições realizadas por Garret Martin, da American University.

1- Quando uma votação nacional não é suficiente

O dia 10 de abril será apenas o primeiro de uma série de votos a serem realizados na França nas próximas semanas. Na primeira volta das eleições presidenciais, os eleitores decidirão entre 12 candidatos oficiais, incluindo os favoritos Macron e Le Pen.

Se nenhum dos candidatos obtiver mais de 50% dos votos — resultado que é muito provável — os dois principais candidatos se qualificam para um segundo turno marcado para 24 de abril. Nesse segundo turno, o candidato mais votado se tornará presidente.

Mas a votação não terminará aí. O público francês será novamente chamado a votar em duas rodadas de eleições parlamentares atualmente marcadas para 12 e 19 de junho.

Essas eleições parlamentares são tão cruciais quanto as para a eleição do presidente. Quem ganhar a presidência dependerá de garantir a maioria do apoio no parlamento para implementar seu programa.

Mas se Macron ganhar a reeleição, ele pode ficar tentado a dissolver o parlamento no dia seguinte, o que significaria realizar as eleições duas semanas antes do previsto. Isso poderia hipoteticamente dar-lhe a oportunidade de capitalizar o ímpeto da eleição presidencial para eleger um parlamento alinhado com sua agenda.

2- O desaparecimento do mainstream

Uma coisa importante a observar na primeira rodada de votação é o quão bem - ou mal - os partidos do establishment na França se saem.

Até 2017, a política francesa era dominada por dois partidos: o Partido Socialista de esquerda e o conservador Les Républicains. Candidatos de qualquer um desses dois partidos ganharam todas as eleições presidenciais desde 1958.

E depois veio o terremoto político de 2017. Nessas eleições, nenhum dos partidos se classificou para o segundo turno. O candidato de Les Républicains foi deslocado para o segundo turno por Le Pen e o candidato socialista mal conseguiu coletar mais de 6% dos votos.

Em 2017, Emmanuel Macron venceu a primeira rodada e passou para a segunda. Ele o fez no comando de um novo partido, La République En Marche. Macron se posicionou no centro do espectro político, tirando oxigênio dos dois partidos estabelecidos.

Cinco anos depois, as pesquisas confirmam o desaparecimento desses dois partidos políticos até então dominantes. Salvo uma grande surpresa, o Partido Socialista e Les Républicains serão novamente deixados de fora do segundo turno. As previsões atuais sugerem que menos de 10% dos eleitores optarão por Valérie Pécresse, da Les Républicains, e apenas 2% por Anne Hidalgo, a prefeita socialista de Paris.

Um resultado catastrófico na primeira rodada pode significar o fim dessas duas partidas.

3- E a ascensão dos extremos

A captura do centro político por Macron é apenas metade da história. O desaparecimento dos partidos tradicionais na França foi ajudado pelo crescimento de extremos políticos, com mais eleitores gravitando para a extrema esquerda e direita.

Mas, pela primeira vez na história política francesa recente, o campo de extrema-direita está dividido entre dois candidatos, o veterano candidato presidencial Le Pen e Eric Zemmour, um especialista em televisão e jornalista que se assumiu como o candidato insurgente da extrema-direita nas eleições de 2022.

Em votações de um turno, tal divisão pode prejudicar as chances de sucesso eleitoral da direita, mas esse não é o caso aqui. As pesquisas sugerem que Le Pen e Éric Zemmour juntos atrairão cerca de um terço dos votos. E é muito provável que Le Pen se classifique para o segundo turno contra Macron, durante o qual ele pode ser esperado para pegar a maioria dos eleitores de Zemmour.

A campanha de Zemmour - com sua retórica ardente e visões extremas sobre migração - ajudou de várias maneiras, e não prejudicou Le Pen. Ele reforçou a estratégia de “normalização” de Le Pen nos últimos anos, com a qual tem tentado melhorar a img de seu partido e torná-lo mais respeitável.

Como Bruno Cautrès, cientista político da Universidade Sciences-Po de Paris, explicou em um artigo recente no The Guardian: “A radicalidade de Eric Zemmour suavizou a img de Marine Le Pen”.

O aparente sucesso da estratégia de Le Pen é visto no aperto da carreira. As pesquisas preveem apenas uma pequena vantagem para Macron no caso de um segundo turno contra Le Pen. Em 2017, por comparação, Macron derrubou Le Pen no segundo turno, conquistando 66% dos votos.

Enquanto isso, à esquerda, a ala radical também está em ascensão. O veterano político Jean-Luc Mélenchon, em sua terceira campanha presidencial, é o claro porta-estandarte da esquerda. Com seu foco na desigualdade e no aumento do custo de vida, ficou firmemente em terceiro lugar nas pesquisas, com cerca de 17% dos votos esperados.

É improvável que Mélenchon desloque Macron ou Le Pen na segunda rodada. Mas mesmo assim, um terceiro lugar dará mais uma prova de que os eleitores franceses estão gravitando para longe do centro político.

4- A sombra de Putin

As eleições francesas têm como pano de fundo a guerra na Europa, que deu aos eleitores a oportunidade de rever o histórico dos candidatos sobre a Rússia.

Macron à parte, muitos dos principais candidatos mostraram um histórico de complacência para com Putin, antes da invasão da Ucrânia. Mélenchon, com sua forte animosidade ideológica em relação aos Estados Unidos, chamou a Rússia de parceira no início de 2022. Por sua vez, Zemmour chamou Putin de “patriota” que defende os interesses russos. E Le Pen colocou proeminentemente uma foto dele com Putin nos folhetos da campanha, em uma aparente tentativa de destacar sua estatura internacional.

Desde a invasão da Ucrânia, a maioria desses candidatos mudou um pouco de tom em relação à Rússia e Putin, ou se voltou para outras questões. Le Pen, por exemplo, reorientou sua campanha para aumentar o custo de vida e o impacto das sanções nos preços da energia. E as pesquisas atuais não sugerem que elas terão um impacto significativo sobre os eleitores por causa de seus flertes anteriores com o presidente russo. Pelo menos, não parece impedir Le Pen de voltar ao segundo turno, apesar das recentes tentativas de Macron de chamar a atenção para a percepção da “clemência de seus adversários em relação a Vladimir Putin”.

5- La abstención

Como o impacto aparentemente limitado da atitude dos candidatos em relação a Putin sugere, a guerra na Ucrânia não está no auge das preocupações da maioria dos eleitores.

Com uma inflação recorde na zona do euro - atingindo 5,1% este ano - o aumento do custo de vida tornou-se uma grande fonte de preocupação para muitos franceses. Isso é agravado por outras dificuldades econômicas, como altos custos de energia e moradia. E os desafios do bolso também são combinados com outros debates acalorados em torno do meio ambiente e da imigração.

Embora não faltem questões importantes na atual campanha presidencial, a sombra da apatia e do cinismo paira sobre eles. As previsões sugerem que poderíamos ver perto de 30% de abstenção no primeiro turno das eleições. Essa seria a menor taxa de participação desde 2002.

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