Os russos que testemunham como Vladimir Putin roubou seu futuro com a invasão da Ucrânia

Um dos muitos afetados pela guerra disse: “As pessoas estão em pânico, sofrendo por seu futuro, imaginando como podem viver em um mundo que está mudando em todos os lugares e para todos”

Rescuers work at site of the regional administration building, that was hit by cruise missiles, amid Russia's invasion of Ukraine, in Mykolaiv, Ukraine, in this handout picture released March 30, 2022. State Emergency Service of Ukraine/Handout via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY.

“Minha vida entrou em colapso”, confessa à agência EFE Mikhail, moscovita que define quantos russos se sentem desde o início da intervenção militar da Rússia na Ucrânia, há 35 dias.

Enquanto olha para o filho de 5 meses, que cochila nos braços da esposa, este escritor, que foi renomeado pela EFE por razões de segurança, diz que “o amanhã não existe mais”.

A incerteza de Mikhail cresce na avalanche de bpropaganda contraditória e informações vindas das linhas de frente na Ucrânia, e nas sanções impostas pelo Ocidente, a queda acentuada do rublo e a forte inflação que afeta os bolsos de todas as famílias russas.

Soma-se a isso o medo de muitos russos de expressar publicamente o que pensam da campanha militar russa.

Não surpreendentemente, leis foram adotadas no início das leis ofensivas que restringem a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, punindo com multas significativas e penas de prisão de até 15 anos “informações falsas” sobre a intervenção e o exército russo.

Já houve várias prisões de cidadãos e jornalistas por protestarem contra a chamada “operação militar especial” da Rússia.

Um edifício destruído em Borodyanka (Reuters/Maksim Levin)

UMA DERIVA PARA O PASSADO SOMBRIO

“Temos caído claramente no totalitarismo”, lamenta Alexandr, um escultor de 62 anos que chama o presidente russo Vladimir Putin de “gênio sombrio”.

Mikhail lembra que a virada autoritária da Rússia foi forjada em 2002, quando os primeiros meios de comunicação alternativos foram fechados sob a capa da luta contra a oligarquia russa, acusada de corrupção.

Naquela época, ele tentou lutar, mas agora é tarde demais, ele se arrepende.

Hoje em dia surge a escolha entre uma vida sem luxo na Rússia, mas com o risco de viver em uma sociedade totalitária, ou um exílio onde, na sua idade e com seu comércio, viveria na pobreza e sem grandes ilusões de liberdade.

“Há quem diga que você pode ser muito pobre para ser livre. Isso é mentira, a pobreza priva a liberdade de escolha, de liberdade”, suspira.

ABSURDO COMO NORMA

“Tudo pode acontecer agora”, diz Alexandre, segundo o qual a Rússia mergulhou “numa turbulência em que é impossível ver o futuro” do país desde 24 de fevereiro, dia do início da campanha militar russa na Ucrânia.

Uma mulher chora enquanto espera notícias de seu parente, em frente a um prédio da administração do governo ucraniano destruído após um atentado (REUTERS/Nacho Doce)

Ele condenou desde o início, mas pensou que a operação se limitaria às regiões pró-russas do Donbass, onde desde 2014 os separatistas de Donetsk e Lugansk enfrentam o Exército ucraniano com o apoio político e logístico do Kremlin.

No entanto, Alexandr participou quase imediatamente com espanto de uma ofensiva que se espalhou por grande parte da Ucrânia.

Nessa situação, em meio a essa indeterminação e esse absurdo, é impossível ter ideias construtivas” quando “você não sabe nada, não sabe o que vai acontecer com o país que eu amo”, diz.

E acima de tudo, ele não entende como quase 80% da população russa, segundo as pesquisas, apoia “essa barbárie”, das redes sociais aos adesivos brancos “Z” — alegóricos da intervenção da Rússia — em veículos que percorrem as ruas russas.

COM O “Z” NO PEITO

Vladimir, um soldado aposentado da Crimeia, uma península ucraniana anexada pela Rússia em 2014, é um dos que saúda a decisão do presidente russo, Vladimir Putin, de enviar tropas para a Ucrânia.

“É difícil para o resto do mundo imaginar como vivíamos na Crimeia quando eu era ucraniano. Foi um verdadeiro regime fascista. Eles poderiam colocá-lo na cadeia não porque você subornou alguém, mas porque você não o subornou. Uma corrupção generalizada, em todos os lugares”, declara a EFE categoricamente.

FOTO DO ARQUIVO: Soldados das forças pró-russas em um veículo blindado com o símbolo “Z” pintado de um lado durante a invasão russa da Ucrânia (REUTERS/Alexander Ermochenko)

Ele diz que as autoridades ucranianas o proibiram de falar russo, sua língua nativa, a maioria na Crimeia, antes de 2014, e até mesmo “ucraniano” seus nomes nos documentos e transformaram os Nadias em Nadiya e o Vladimir, como ele mesmo, em Volodymyr.

“Isso é normal?” , diz indignado, lembrando que, após a derrubada do presidente pró-russo, Viktor Yanukovich, centenas de jovens nacionalistas atarracados chegaram à Crimeia que tentaram controlar a situação pela força.

UMA BARRICADA CONTRA A INCERTEZA

Elena, uma psicóloga de 48 anos, vê a realidade de outra perspectiva. Ele explica que, em meio à incerteza, muitos cedem ao desespero.

Ele diz à EFE que depois de superar o estupor inicial devido à “operação militar especial”, ele se juntou ao projeto humanitário EMDR Rossiya, uma comunidade de psicólogos que organiza sessões diárias em grupo para lidar com a ansiedade nestes tempos difíceis.

“As pessoas estão em pânico, sofrendo por seu futuro, se perguntando como podem viver em um mundo que está mudando em todos os lugares e para todos”, diz.

Ele garante que tenta ajudar essas pessoas a superar a ansiedade e o medo, sem distinguir se são russos ou ucranianos, que também vêm às consultas.

Moradores locais são vistos perto de um veículo blindado com a letra “Z” (Reuters/Alexander Ermochenko)

Ao contrário da esmagadora maioria dos russos, que se agarram a um lado e optam por agitar bandeiras ucranianas ou desenhar “Z” branco nas paredes, Elena prefere não tomar partido. “O que eu realmente posso fazer é manter um equilíbrio interior e não cair na histeria”, explica.

(Com informações da EFE)

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