A América Latina continua passando por uma profunda crise de direitos humanos depois de ser devastada pela pandemia diante de governos que limitaram o acesso a vacinas e a recuperação na região, concordando com grandes empresas, informou a Anistia Internacional (AI) na terça-feira em seu relatório anual.
“A cumplicidade que os Estados tiveram com grandes corporações internacionais violou os direitos trabalhistas. Essas grandes empresas farmacêuticas que produziram as vacinas contra a covid-19 aproveitaram para obter lucros em detrimento dos Direitos Humanos, gerando uma crise profunda”, disse Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da IA, à agência EFE.
O relatório da AI para 2021-2022, intitulado “A Situação dos Direitos Humanos no Mundo”, documenta a situação individual em 144 países e detalha como, dois anos após o início da pandemia, a América Latina continua a ser a região mais afetada pela covid-19.
Guevara Rosas observou que isso se deve em grande parte ao acesso limitado e desigual aos cuidados de saúde, sistemas públicos de saúde subfinanciados e políticas e medidas de proteção social inadequadas para comunidades marginalizadas.
“Apesar do progresso da vacina contra a covid-19 em muitas partes do mundo, sabemos que (na América Latina) uma percentagem muito pequena da população, em países pobres em recursos, teve acesso à vacina”, lamentou.
Nesse sentido, ele destacou que, apesar de países como Cuba e Chile terem conseguido vacinar 90% da população contra a covid-19, o acesso desigual a produtos biológicos continua sendo motivo de preocupação.
Além disso, ele comentou que antes do surgimento da covid-19 a América Latina já era uma região com enormes desigualdades. “A pandemia exacerbou essa situação e colocou mais de 9 milhões de pessoas na lista dos que vivem abaixo da linha da pobreza”, disse o especialista.
De acordo com dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em meados de março, o continente americano detectou 149 milhões de casos e 2,6 milhões de mortes desde o início da pandemia, há dois anos.
A IMPUNIDADE CONTINUA SENDO UMA AMEAÇA
Guevara Rosas destacou que a impunidade por graves violações de direitos humanos e crimes, sob o direito internacional, continua a ser motivo de grande preocupação em mais da metade dos países da região.
E, ao mesmo tempo, os ataques à independência judicial aumentaram, acrescentou. “Vimos como os governos atacam os próprios cidadãos que saem às ruas para exigir prestação de contas, para exigir o exercício fundamental dos direitos, mesmo no contexto da pandemia”, disse.
Ele lamentou que os governos, em vez de abordar as injustiças e desigualdades que afetam seus cidadãos, tenham se dedicado a reprimir aqueles que protestam pacificamente e se manifestam para exigir um mundo “mais seguro, justo e mais compassivo”.
Ele acrescentou que, em 2021, os Estados implantaram uma gama crescente de ferramentas e táticas para silenciar vozes independentes e críticas.
Entre eles, disse ele, estavam ameaças, assédio, prisões arbitrárias, processos infundados, vigilância ilegal, uso excessivo da força, desaparecimentos forçados e assassinatos ilegais. Todas essas estratégias para suprimir os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica.
“No último ano, em 2021, e apesar do efeito da recuperação econômica, (os Estados) violaram gravemente os direitos humanos de muitas pessoas em todo o continente”, disse.
EM DÍVIDA COM A CRISE CLIMÁTICA E A SEGURANÇA
Guevara Rosas mencionou que outra área de preocupação é a ação contra a crise climática, que durante 2021 permaneceu limitada.
“(Temos) governantes líderes que apresentam soluções simplistas para os problemas complexos que enfrentamos em todo o mundo e, nesses anos de pandemia, os esforços para enfrentar uma das crises que estão colocando em risco a humanidade chegaram a um impasse: a crise climática”, disse.
Enquanto no caso da violência, o relatório mostra que países como El Salvador, Jamaica e México continuam a ter taxas mais altas do que “mesmo aqueles países que estão em situação de conflito armado no Oriente Médio ou em outras regiões do mundo”, disse Guevara Rosas.
Isso, disse ele, forçou mais de 6 milhões de pessoas a buscar proteção internacional.
Ele destacou que as pessoas estão perdendo a vida em um contexto em que o crime organizado tem muita influência e onde os governos não fazem muito para proteger os direitos humanos.
A região, disse Guevara Rosas, continua a ser a “mais mortal para os defensores dos direitos humanos e jornalistas”.
Embora a violência de gênero continue sendo uma grande preocupação em toda a região, as medidas para proteger mulheres e meninas “são insuficientes”.
HÁ ESPERANÇA
Para Guevara Rosas, apesar deste contexto global adverso, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos, “também há esperança” graças ao ímpeto que movimentos sociais como “Black Live Matters” e a Maré Verde têm tomado na região.
Nesse sentido, ela lembrou que o movimento feminista na América Latina continuou ganhando força desde que a Argentina legalizou o aborto no final de 2020.
Em setembro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça mexicano declarou inconstitucional a criminalização do aborto e, em fevereiro de 2022, o Tribunal Constitucional colombiano descriminalizou o aborto nas primeiras 24 semanas de gravidez.
“Vemos a mudança na narrativa dos cidadãos, de realmente colocar a informação no centro e isso, sem dúvida, é um exemplo inspirador para avançar”, concluiu.
(com informações da EFE)
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