Apenas quatro dias após a sua nomeação, a nova responsável pela Agência de Acesso à Informação Pública (AAIP), Beatriz De Anchorena, ordenou a prorrogação dos prazos administrativos por 20 dias úteis, entre 10 de março e 10 de abril, para que a agência processe e responda aos pedidos e reclamações à Agência contra o não cumprimento por parte das agências do Poder Executivo para fornecer as informações solicitadas.
Esta decisão — que não foi publicada no Diário Oficial, mas na seção de Regulamentos do site da Agência na semana passada — suspendeu os prazos estabelecidos por uma lei nacional como a do Acesso à Informação Pública, que garante um direito humano fundamental, e gerou sua primeira queixa criminal e perguntas contundentes da oposição.
A apresentação na Justiça Federal foi feita pela Fundación Apolo, liderada por Yamil Santoro, por “violação de deveres oficiais públicos” e “abuso de autoridade”. Ao mesmo tempo, deputados do Juntos pediram que ele recuasse com a medida e entraram com um pedido de relatórios na câmara baixa, motivado pela deputada nacional Karina Banfi.
A Resolução Administrativa da AAIP, a primeira desde a assunção de De Anchorena, usou como argumento para a suspensão de um mês da validade dos prazos estabelecidos na Lei de Acesso à Informação, a necessidade de realizar uma auditoria pelo Gabinete Geral de Auditoria da Nação (SIGEN, uma agência do Poder Executivo) “a fim de obter informações adequadas sobre a situação geral da agência, com vista a uma melhor organização de suas próprias tarefas e funções”.
“A fim de garantir a eficácia dos procedimentos e centrar-se no conhecimento e na decisão de matérias que protegem os direitos e garantias das pessoas em causa, é imperativo prorrogar de forma excepcional os prazos dos procedimentos administrativos que ocorrem no âmbito deste jurisdição”, diz a Resolução nº 1 assinada pelo novo funcionário.
No entanto, não está claro até que ponto a auditoria do SIGEN, que está cortada para 10 de março, exige a extensão da resposta aos pedidos e reclamações que chegaram à Agência, que devem ser respondidas a partir dessa data até 10 de abril. A AAIP é a que deve intervir quando as agências do Poder Executivo não fornecem as informações solicitadas, algo cada vez mais comum na gestão de Alberto Fernández. A título de exemplo, a Secretaria-Geral da Presidência nunca respondeu a um pedido de Acesso à Informação do autor desta nota solicitando a lista de funcionários designados para a primeira-dama, Fabiola Yáñez, e seus salários, feita em 9 de agosto do ano passado.
De Anchorena justificou a medida citando um relatório da Auditoria Geral da Nação (AGN), aprovado em novembro do ano passado, referente ao período de janeiro de 2018 a junho de 2019, sob a gestão de Eduardo Bertoni, o ex-diretor durante a administração de Macri, que renunciou em 1º de janeiro de 2021. Desde então, a titularidade da AAIP ficou vaga e foi sub-rogada interina pelo diretor nacional de Proteção de Dados Pessoais, Eduardo Cimato.
De acordo com aquele relatório da AGN a que a Infobae teve acesso, houve “uma série de problemas na gestão da Agência que afetaram as atividades, o desempenho e a consecução dos seus objetivos”. Segundo o cão de guarda, a Agência “não desenvolveu nem implementou ferramentas que tendam a garantir efetivamente o acesso à informação pública, a transparência ativa e a proteção dos dados pessoais” previstos nos vários regulamentos.
O relatório foi elaborado pelo Departamento de Controle Gerencial do Setor Não Financeiro da AGN e apresentado pelo auditor governamental Juan Ignacio Forlón, concluiu que a organização teve falhas nas campanhas de divulgação e que houve poucos pedidos ao Poder Executivo. “É evidente que a Agência não desenvolveu ferramentas para garantir de forma eficiente o acesso à informação pública”, explicou. Ele especificou que “as campanhas de divulgação não tinham uma estratégia adequada, nem uma medição de impacto e não atingiram todos os níveis da sociedade”. O relatório foi tornado público dois dias antes da audiência pública para discutir sua indicação, que ocorreu em 25 de fevereiro passado. De Anchorena não fez menção a essa auditoria em seu discurso ao defender sua candidatura.
A Lei de Acesso à Informação Pública - promulgada em 2016 no início do governo Mauricio Macri, após 15 anos sem progresso no Congresso devido à recusa do kirchnerismo em tratá-la - estabelece a obrigação de fornecer as informações solicitadas por qualquer cidadão no prazo de 10 dias úteis, com a possibilidade de uma extensão devidamente justificada por outros. Se a agência não cumprir, o requerente pode recorrer à Agência, que é a autoridade de aplicação da lei.
Questões criminais e políticas
Na queixa criminal contra De Anchorena apresentada na passada segunda-feira pelos advogados José Magioncalda, Juan Martín Fazio e Juan Pablo Pane, é advertido que a Resolução da Agência 1/2022 é “claramente ilegítima” porque “os prazos processuais estendidos pelos acusados decorrem de padrões hierarquicamente mais elevados, o modificação da qual total, parcial, permanente ou temporária, é proibida de normas hierárquicas inferiores”.
Para os queixosos, “a resolução tomada entra em conflito com os objetivos da Agência de Acesso à Informação Pública na medida em que compromete, com o alegado argumento da realização de uma auditoria, o exercício efetivo do direito de acesso à informação. A Agência de Acesso à Informação Pública continuou sua gestão apesar da alegada “acefalia”, uma vez que a assinatura foi delegada ao Diretor Nacional de Proteção de Dados Pessoais. Dessa forma, a gestão continuou e nenhuma razão é expressa que justifique a necessidade de uma extensão. As auditorias fazem parte da gestão administrativa normal, e a Administração Pública não é suspensa por causa de sua conduta”. A apresentação caiu para o Tribunal Federal nº 7 por Sebastián Casanello.
A equipe jurídica da Fundação Apolo também argumentou na apresentação: “O artigo 1º da Lei 27.275 estabelece para o assunto em questão, entre outros, o princípio da máxima urgência: 'A informação deve ser publicada o mais rápido possível e às vezes compatível com a preservação de seu valor'. Quão útil seria para um cidadão receber as informações públicas solicitadas se, devido a uma extensão ilegal, os prazos para agir contra infrações administrativas ou criminais de funcionários públicos forem prescritos? Qual é o uso da informação obtida após uma extensão ilegítima, se ela se torna inútil por estar desatualizada, informações obtidas por um cidadão, seja para controlar o poder ou para tomar decisões sobre sua própria vida?
Para o deputado Banfi, que promoveu a Lei de Acesso à Informação Pública em 2016, e autor do pedido de Relatórios na Câmara dos Deputados, “a medida Anchorena implica a violação de um direito humano fundamental que está consagrado em nossa Constituição e por tratados internacionais. O acesso à informação é um componente fundamental para a liberdade de pensamento e expressão, fundamental para acessar outros direitos sociais, econômicos e culturais.” O projeto de resolução foi acompanhado por cinquenta deputados do interbloco Juntos.
“Essa medida não foi publicada no Diário Oficial da República Argentina. Somente a seção de regulamentos do site da Agência foi inserida. Portanto, a própria Agência viola as obrigações de publicidade e transparência ativa de todas as disposições administrativas de gestão que dela emanam”, disse o Banfi no terreno. O legislador do Juntos salientou, por sua vez, que “Anchorena estendeu excepcionalmente todos os processos processados pela Agência de Acesso à Informação e Proteção de Dados Pessoais, prazos estipulados por lei e nunca poderiam ser modificados por resolução administrativa”.
Banfi foi uma das deputadas que participou da audiência pública realizada em 25 de fevereiro no Centro Cultural Kirchner para contestar sua candidatura. Foi um dos dez comentários que a nova chefe da Agência teve quando sua candidatura era conhecida.
“Infelizmente, somos novamente confrontados com um candidato que não possui as credenciais necessárias de adequação e imparcialidade que a lei impõe para liderar esse cão de guarda. A Sra. Anchorena tem algumas considerações acadêmicas e profissionais, mas não tem experiência em acesso a informações públicas, muito menos a proteção de dados pessoais. Nem no trabalho, nem academicamente. Hoje ele faz parte do chefe de gabinete, faz parte do Instituto Patria e sua carreira se refere a questões da administração pública”.
Até ser nomeado chefe da Agência, De Anchorena era responsável pela Subsecretaria de Gestão e Emprego Público do Chefe de Gabinete de Ministros da Nação. Formada em Ciência Política pela Universidade Nacional de Buenos Aires, possui mestrado em Políticas Públicas e Gestão do Desenvolvimento pela Universidade de Georgetown e pela Universidad Nacional San Martín (UNSAM), e doutoranda em Ciências Sociais pela UBA. Do Chefe de Gabinete, ele promoveu a criação da Direção Nacional de Integridade e Transparência.
Na audiência, Banfi afirmou que Anchorena “tem algumas considerações acadêmicas e profissionais, mas não tem nenhum histórico sobre o acesso à informação pública, muito menos sobre a proteção de dados pessoais. Nem no trabalho, nem academicamente. Hoje ele faz parte do Chefe de Gabinete, faz parte do Instituto Patria e sua carreira se refere a questões da administração pública”. Ele acrescentou: “A adequação dos candidatos não pode ser pressuposta, mas deve ser demonstrada analisando seus antecedentes de forma objetiva. Além disso, que capacidade política você terá para impulsionar a alteração à Lei de Dados Pessoais? Quem não quis discutir isso no Senado foi o presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, que também faz parte do Instituto Pátria”, questionou em referência a Cristina Kirchner.
A nova chefe da Agência também foi contestada pela Associação para os Direitos Civis (ADC) por sua afiliação ao Instituto Patria, uma organização partidária liderada pelo atual vice-presidente da Nação. “Embora sua carreira profissional no setor público seja reconhecida, sua falta de experiência em dados pessoais e sua pertença ao Instituto Patria levantam questões sobre sua adequação e autonomia”, alertou a ADC em sua apresentação.
Comentários sobre sua candidatura também foram apresentados pela Associação Civil para a Igualdade e Justiça; a Fundação Vía Libre; o advogado Magioncalda representando a Fundação Apolo; e a deputada radical Dolores Martínez, da Evolución; entre outros.
Como contrapartida, De Anchorena recebeu outras 74 adesões de diferentes áreas, muitos acadêmicos, com um número significativo vindo de setores relacionados ao governo. Entre outros, Alberto Edgardo Barbieri, reitor da Universidade de Buenos Aires; os deputados da Frente de Todos Victoria Tolosa Paz e Ana Carolina Gaillard, e o deputado do bloco federal, Alejandro “Topo” Rodríguez; Marcos Pedro Makón, diretor-geral do Escritório de Orçamento do Congresso Nacional; Miriam Lewin, defensora pública dos Serviços de Comunicação Audiovisual; Marita Carballo, assessora do Conselho Econômico e Social 10; Carlos March, diretor de Gestão do Conhecimento da Fundación Avina e ex-diretor executivo da Citizen Power Foundation; Fernando Schapachnik, diretor do Dr. Manuel Fundação Sadosky; Carolina Mera, reitora da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires; Carlos Greco, reitor da Universidade Nacional de General San Martín; Aníbal Jozami, reitor da Universidade Nacional de Tres de Febrero; Pablo Mario Narvaja, vice-reitor da Universidade Nacional de Lanús; e Sergio De Piero, diretor do Instituto de Ciências Sociais e Administração da Universidade Nacional Arturo Jauretche, entre outros.
A explicação oficial
Em resposta à consulta do Infobae, a AAIP enviou um documento explicativo afirmando que “não suspende o direito humano de acesso à informação pública consagrado na Lei 27.275, mas visa garantir o bom funcionamento do órgão”. Ele garante que “a Agência não definiu uma suspensão de prazos, mas uma prorrogação excepcional, que responde a padrões de tempo razoáveis e que os direitos de terceiros não são prejudicados. Nesse sentido, o Departamento Jurídico da Agência apresentou um parecer que endossou a medida.”
O texto afirma que “a Resolução foi um produto da necessidade de assegurar o funcionamento normal do órgão e de ter informações adequadas sobre a situação geral, tendo em conta que decorreram 14 meses entre a demissão do diretor anterior e a nomeação do atual chefe”. E cita o relatório da AGN sobre o funcionamento da Agência na gestão anterior. Embora, a AAIP tenha notado que “foi publicado no mesmo dia em que se realizou a audição pública para nomeação de Diretor da Agência”, o relatório tem data de 16 de novembro de 2021, e foi aprovado na sessão da Associação Nacional de Auditores que decorreu em 23 de fevereiro.
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