Violência e corrupção permeiam a eleição de deputados da paz na Colômbia

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Uma vitória agridoce foi celebrada pelas vítimas do conflito armado na Colômbia. O pacto de paz reservou 16 assentos para eles no Congresso pela primeira vez, mas máfias políticas e até o filho de um dos carrascos camponeses vazaram entre os eleitos em 13 de março.

“O acordo de paz queria que as vítimas tivessem uma palavra a dizer nas decisões do país (...) mas encontramos alguns casos irregulares sobre os candidatos e suas eleições” em legislaturas recentes, disse à AFP Juana Cabezas, porta-voz do centro de estudos independente Indepaz.

Assinado em 2016, o pacto de pacificação que levou ao desarmamento da guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) reservou alguns assentos para movimentos não tradicionais que representam as vítimas das regiões mais afetadas pela guerra interna no país sul-americano.

Ao longo de seis décadas, mais de nove milhões de pessoas, quase 10% da população colombiana, sofreram diretamente com o conflito, a maioria deslocada pela violência.

As negociações de paz bem-sucedidas visavam dar-lhes visibilidade na Câmara dos Deputados por dois períodos legislativos, cada um com duração de quatro anos.

Durante as eleições pontuadas pela violência em áreas remotas, quase 400 candidatos concorreram aos chamados assentos de paz.

Pelo menos cinco dos 16 eleitos são alvos de denúncias que podem levar à perda de sua posse.

“Alguns nomes” dos novos congressistas “são pouco edificantes” e “pelo menos são controversos para muitas das vítimas do país, é uma realidade inegável”, disse Javi López, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (UE) na Colômbia.

Há “fenômenos de interferência, a penetração de partidos políticos nesses assentos ou a influência de grupos armados”, acrescentou.

A esquerda fez um avanço histórico nas legislaturas diante do declínio da ala direita que tradicionalmente governou o país.

-Filho de um paramilitar...

Entre os principais inquiridos está Jorge Tovar, filho de 'Jorge 40', um temido paramilitar extraditado para os Estados Unidos, onde foi condenado por tráfico de estupefacientes.

O líder de direitos humanos e advogado foi eleito para o assento de um representante das vítimas em uma área no norte do país onde esquadrões de extrema direita semearam terror.

Seu pai, o ex-paramilitar Rodrigo Tovar, enfrenta dezenas de processos por massacres e deslocamentos perpetuados durante sua luta em sangue e fogo contra guerrilheiros de esquerda.

“Talvez eu seja a primeira vítima do meu pai”, disse o agora deputado em entrevista à Caracol TV.

“Perdi entes queridos por causa da violência, fui sequestrado por parentes, tive que deixar meu país”, se defendeu.

Segundo o analista Cabezas, os rivais políticos de Tovar denunciaram ameaças que os impediram de passar para a campanha, enquanto ele “se movia com mais calma na área”.

Além disso, há dúvidas sobre seu credenciamento como vítima pela entidade responsável por dar as garantias.

Tovar ganhou o assento com mais de 97% da contagem e quase o dobro dos votos de seu adversário mais imediato.

-Outros sob suspeita-

“O sentimento das vítimas é de frustração”, frisou a porta-voz do Indepaz, acrescentando que, apesar de terem sido eleitos alguns “líderes legítimos” das populações afetadas pelo conflito, era preciso mais “fiscalização e representatividade”.

Em meio ao aumento da violência que se seguiu ao acordo de paz, pelo menos uma dúzia de candidatos renunciaram aos seus assentos antes das eleições por medo ou falta de garantias. Nenhum recebeu o dinheiro prometido para financiá-los, de acordo com as organizações das vítimas.

O Indepaz colocou a lupa em outros quatro congressistas eleitos nos círculos eleitorais da paz.

Em Chocó (oeste), o segundo departamento com maior população de origem afro (337.696 habitantes) e o mais pobre (68%), ganhou um advogado nomeado por ter laços com máfias políticas, comprar votos e até não morar na região. James Hermenegildo Mosquera conseguiu o credenciamento como vítima mais rápido do que o normal, de acordo com o Indepaz.

No sudoeste do país, Jhon Fredy Nuñez venceu, político endurecido e aliado com militantes condenados por seus laços com paramilitares, enquanto no sul de Córdoba (norte) Leonor Palencia, prima do governador e denunciada por compra de votos, venceu as eleições.

E em Tolima (centro-oeste), o vencedor foi Haiver Rincón, um recorde dos conservadores de um dos partidos tradicionais da Colômbia.

A Unidade de Vítimas, entidade estatal responsável por endossar candidatos a assentos de paz, garantiu que agiu sob as premissas da “boa-fé, inocência” dos candidatos. “Mas estaremos dispostos a respeitar qualquer decisão” se as alegações forem verificadas, Ramón Rodríguez, chefe da agência, disse à AFP.

lv/vel/llu

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