Em 17 de março de 1992, a ação violenta do terrorismo jihadista apareceu na República Argentina. Às 14:45 daquela terça-feira, quando foi comemorado o Dia de São Patrício, uma van carregada de explosivos explodiu ao bater na sede da embaixada israelense no centro da cidade de Buenos Aires. Uma Igreja Católica ao lado da sede diplomática também foi destruída. O resultado do ataque criminoso foi de 29 pessoas mortas e mais de 200 feridas e mutiladas (embora em 23 de dezembro de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça da Nação tenha emitido um acordo no qual estabeleceu que as mortes foram 22 e não 29, conforme relatado inicialmente).
A SOMBRA DO HEZBOLLAH
Dois dias após o golpe terrorista, em 19 de março, o texto de uma declaração do grupo Jihad Islâmica foi enviado ao diário libanês An-Nahar e publicado pelo jornal de Beirute. O nome Jihad Islâmica foi um selo de cobertura usado pela organização político-terrorista Hezbollah, que reivindicou a responsabilidade pela explosão da embaixada israelense em Buenos Aires em resposta e retaliação pela morte do imã Abbas Mussawi, então secretário-geral. da organização terrorista, que mais tarde seria sucedido pelo atual líder Hassan Nasrallah. O Hezbollah usou esse nome chique quando não era conveniente para ele reivindicar os ataques por conta própria por razões políticas.
A imprensa libanesa confirmou a veracidade do comunicado e atribuiu o texto à retórica típica da organização xiita Hezbollah, criada e financiada pela República Islâmica do Irã. Em 21 de março, apenas 48 horas após a declaração, um vídeo da organização terrorista foi enviado à televisão libanesa mostrando o momento em que a sede diplomática está voando pelo ar. Dessa forma, o grupo jihadista confirmou a autoria do ataque. O texto do comunicado original em árabe e traduzido para o espanhol, bem como o vídeo da explosão, aparecem no caso nº 1627/93 sobre o ataque à embaixada israelense em Buenos Aires, da seguinte forma:
“Em nome de Deus, pelo sangue derramado de nosso mártir Abu Yasser, que representa a honra de nossa pátria e para confirmar nosso comunicado do primeiro golpe de outros que aplicaremos contra o vírus israelense, oferecemos a operação de Buenos Aires como um presente aos mártires e crentes. Os fragmentos dispersos do corpo de nosso mártir nos deixam orgulhosos. Ao lado deles, o forte argentino Khaibar irrompeu, que foi destruído por nosso glorioso mártir. O mundo sionista também tremeu, que estava cheio de medo e seus gritos e ameaças começaram a pensar que com eles eles podem parar nossas ações, mas eles estão errados. Eles (os judeus) esqueceram que somos um povo que abraça o martírio e não aceita subjugação ou ameaças. A guerra está aberta até que não haja mais judeus na terra. Israel semeou podridão no mundo; matou e matou nossos filhos todos os dias. Israel é mau em si mesmo e deve desaparecer do mundo. A guerra começou em Bader e Khaibar, desde a época do profeta Mussa. A grandeza do nosso mártir Abu Yasser, que agora está no paraíso, tornou isso possível. O mundo deve saber que estamos acordados e que não permitiremos que eles brinquem com nosso sangue ou com o sangue de nossos mártires. Sempre estaremos esperando por eles e, quando eles não vierem, vamos buscá-los. A guerra está aberta e continuaremos a atacá-los; não desistiremos, lutaremos a qualquer custo e por todos os meios até o extermínio de Israel, e nesse dia todos os fiéis celebrarão a vitória e honrarão a Allah, que é quem protege o mundo islâmico”. Assinatura: Organização da Jihad Islâmica, 19 de março de 1992. Mês do Ramadã.
O CARRO-BOMBA E UM COMPRADOR MISTERIOSO
A investigação do Supremo Tribunal de Justiça da Nação sobre o ataque à embaixada israelense chegou à seguinte conclusão: o ataque foi realizado com uma van carregada de explosivos que deixou um estacionamento perto da sede diplomática. Seus restos mortais foram encontrados, o veículo foi reconstruído. A este respeito, os relatórios de especialistas da Polícia Federal e da Gendarmaria Nacional, com o apoio de especialistas da CIA e do FBI, foram conclusivos e estão listados na página 38.558/vt. do Caso S.143 tratado pelo Supremo Tribunal Federal. Afirma-se que os restos do material explosivo utilizado levaram à conclusão de que era composto por uma mistura de tetranitrato de pentaeritrito (PETN) e trinitrotolueno (TNT-troil), cuja carga foi estimada entre 110 e 250 quilogramas.
Também foi determinado que o veículo usado era um vagão Ford modelo F100. A investigação revelou que o carro foi comprado em 24 de fevereiro de 1992 em uma loja de carros usados localizada na Avenida Juan B. Justo 7573/7, na cidade de Buenos Aires. A compra foi feita por uma pessoa sob a falsa identidade de Elias Griveiro Da Luz. O comprador pagou em notas de cem dólares americanos a um preço mais alto do que o preço de mercado. Cinco dessas notas tinham ações comuns usadas em bancos libaneses para identificar notas genuínas.
Conforme indicado no arquivo do Tribunal, o suspeito de adquirir o veículo foi sindicalizado como cidadão de provável origem palestina alegando ser Mahmmud Soghair. Conhecido por seu pseudônimo “Adam”, ele teria entrado na Argentina vindo do Paraguai da área da Tríplice Fronteira e ficado na Rua Emilio Lamarca, 900, na cidade de Buenos Aires (fs. 2017/93, Caso nº 1627 CSJN). De acordo com testemunhos da causa, o homem trabalhava como peão de limpeza em um restaurante de comida árabe localizado na Rua Alberti e foi em diferentes ocasiões à mesquita sunita na mesma rua e à mesquita xiita na Rua San Nicolás, 674, também na Cidade Autônoma de Buenos Aires. Soghair foi apontado por testemunhas no caso como um religioso quieto e praticante, que não falava sobre questões políticas e que nunca se preocupou em regularizar seu status de imigração na Argentina. Ele desapareceu sem deixar vestígios após o ataque.
DUAS FIGURAS POR TRÁS DO ATAQUE
De acordo com o plexo probatório e de acordo com as evidências coletadas após sete anos de investigação, em 10 de maio de 1999, o Supremo Tribunal considerou que elementos suficientes foram reunidos para sustentar que o ataque contra a embaixada israelense na Argentina foi organizado e executado pelo grupo chamado Jihad islâmica. Em várias resoluções no mesmo caso, o Tribunal provou a participação e a responsabilidade no ataque de um sujeito pertencente a essa organização, que acabou por ser o chefe terrorista de Operações Especiais Externas do Hezbollah e o homem mais procurado depois de Osama Ben Carregado. Seu nome era Imad Mughniyah, sobre quem um mandado de prisão internacional foi emitido. No entanto, de acordo com a Interpol, em 12 de fevereiro de 2008, Mughniyah acabaria sendo morto por um ataque com explosivos colocados em seu carro em Damasco, Síria.
Dois anos depois, também foi emitido um mandado de prisão contra Samuel Salman El-Reda, um colombiano libanês casado com um cidadão argentino e designado coordenador local desse ataque e também do ataque da AMIA de 1994. El-Reda morava na área da Tríplice Fronteira e foi confirmado que tinha ligações com o Hezbollah. No entanto, El-Reda escapou, provavelmente para o Líbano, de acordo com a suspeita da Interpol, e até agora não conseguiu ser preso.
POR QUE A ARGENTINA?
À questão de por que a República Argentina foi alvo, no caso da explosão da embaixada, várias respostas foram dadas, muitas delas loucas. No entanto, talvez o mais preciso seja o do falecido ex-juiz da Suprema Corte, Carlos Fayt. O magistrado disse: “A Argentina é o país latino-americano com a maior comunidade judaica da região e ocupa o quarto lugar no mundo”. Por outro lado, a grande extensão das fronteiras argentinas e a facilidade de acesso de pessoas e logística por meio delas foram consideradas possíveis causas. Tudo isso, motivado pela frágil e precária segurança de seus controles, e pela permissividade concedida e ainda concedida pelas leis de imigração em relação à entrada e estabelecimento de cidadãos estrangeiros. No caso do ataque de 1992, o envolvimento de uma estrutura de apoio local, produto de redes construídas pelo Irã na Argentina desde meados da década de 1980, não foi descartado. Sem esse apoio, o ataque terrorista criminoso não poderia ter sido realizado.
Em 2015, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lorenzetti, declarou publicamente que havia uma “coisa julgada” no caso por causa da decisão de 1999. A declaração gerou confusão, uma vez que em 2006 o próprio Tribunal havia emitido uma decisão afirmando que o caso não havia sido prescrito, mas que a sentença havia estabelecido a materialidade e imputabilidade do ato ao grupo terrorista do Hezbollah. No entanto, os juristas corrigiram as declarações “res judicada” do juiz Lorenzetti e lembraram que o caso ainda está aberto, uma vez que o que estava lá foi uma resolução legal e não um julgamento final, já que ninguém jamais foi julgado. Assim, algum tempo depois, o Tribunal retificou sua posição e publicou um relatório esclarecendo que a investigação continua, embora 30 anos após o ataque terrorista ninguém tenha sido levado a julgamento ou condenado.
Infelizmente, dois anos após o ataque à embaixada israelense, Buenos Aires foi novamente alvo de um novo ataque terrorista islâmico. Naquela ocasião, o objetivo era a Mutual Israelite Argentina (AMIA). O resultado foi ainda mais aterrorizante: 85 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas. Nesse caso, por razões jurisdicionais, a investigação foi realizada por outros tribunais e não pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, ambos os eventos permanecem impunes. A liderança do cenário regional, com governos populistas que forneceram abrigo e abrigo a várias redes criminosas na América Latina, permitiu que a influência ativa do jihadismo militante e de seus grupos relacionados fosse mantida no continente, incluindo a Argentina. Essa imagem sombria nos permite concluir que um terceiro ataque não deve ser descartado.
CONTINUE LENDO: