Como a União Soviética espionou o Ocidente por anos sob o pretexto de diplomacia

A KGB e seu sucessor SVR têm uma longa história de espionagem, infiltrando-se em organizações internacionais como a ONU, a UNESCO ou a OMS para obter inteligência das potências ocidentais

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A person departs the United
A person departs the United Nations (UN) headquarters building in the Manhattan borough of New York City, New York, U.S., March 1, 2022. REUTERS/Carlo Allegri

Logo após a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro, os Estados Unidos expulsaram 13 diplomatas do Kremlin que trabalhavam na ONU. O argumento dos EUA sustentava que eles eram oficiais da inteligência russa ou agentes que trabalhavam sob cobertura diplomática. Embora os detalhes das supostas atividades sejam desconhecidos, é claro que a Rússia tem uma longa história de uso das Nações Unidas para espionagem, de acordo com uma análise de Calder Walton, vice-diretor do Projeto de História Aplicada da Harvard Kennedy School of Government, publicado em The Cipher Breve.

Na época da Guerra Fria, a inteligência soviética penetrou e alterou partes importantes da ONU. Essas situações se tornaram conhecidas quando os governos ocidentais expulsaram os “diplomatas” soviéticos.

A União Soviética viu a ONU como uma plataforma para transmitir sua mensagem ao mundo. Como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, eu tinha o direito de veto que eu usava com frequência.

Entre 1945 e 1983, o governo soviético emitiu 115 vetos, em comparação com 38 dos Estados Unidos e 20 do Reino Unido. Sob os termos do acordo de Yalta entre a União Soviética e as potências ocidentais em 1945, duas das repúblicas socialistas soviéticas, Ucrânia e Bielorrússia, eram membros da ONU por direito próprio. Assim, a União Soviética teve três votos contra um dos Estados Unidos.

As atividades clandestinas da União Soviética

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Entre 1945 e 1983, o governo soviético emitiu 115 vetos (AP Photo/Gene Berman, File)

Um arquivo do Ministério das Relações Exteriores britânico que foi desclassificado em setembro de 2021, intitulado Serviço de Inteligência Russo operando sob cobertura da ONU, revela que na década de 1970, os serviços de inteligência da União Soviética, da KGB e do GRU, penetraram completamente na ONU em Nova York e Genebra.

Seus funcionários usaram cobertura diplomática para espionagem. De acordo com o arquivo, citado pelo The Cipher Brief, a KGB controlava partes fundamentais da burocracia da ONU enquanto o Kremlin passava por um período de détente nas relações com o Ocidente.

Entre as revelações, destaca-se uma em 1978, quando foi revelado que o subsecretário-geral, Arkady Shevchenko, de nacionalidade soviética, desertou para as autoridades norte-americanas. O funcionário logo revelou publicamente que ele era um oficial da KGB.

Shevchenko já havia sido recrutado pela CIA, o que o convenceu a continuar operando como agente na ONU. Após sua deserção e desinformação generalizada, ele revelou que a presença da inteligência soviética na ONU era profunda.

Ele também disse que metade dos cidadãos soviéticos que trabalhavam na sede da ONU em Nova York, e em seu escritório em Genebra, eram oficiais de inteligência ou foram explicitamente designadas tarefas relacionadas à inteligência para obter informações sobre os funcionários dos estados membros que trabalhavam lá. O chefe de gabinete da ONU em Genebra era um oficial da KGB, de acordo com o The Cipher Brief.

O Kremlin também garantiu o cargo de Diretor da Divisão de Coordenação de Políticas no Escritório de Serviços de Pessoal em Nova York. Ele instruiu seus oficiais disfarçados na ONU que seu sucesso seria medido pela inteligência coletada, os segredos que eles roubaram, e não por seu trabalho para o órgão multilateral. Isso violou os padrões da ONU, que exigiam que os nacionais estacionados lá trabalhassem para a agência.

O sequestro de postos na ONU proporcionou à KGB a oportunidade de recrutar cidadãos ocidentais como agentes de espionagem ou influência.

Em maio de 1978, o FBI prendeu e processou com sucesso dois cidadãos soviéticos que trabalhavam no Secretariado da ONU acusados de espionagem. Eles foram presos por roubar segredos da guerra anti-submarina dos EUA de um agente que eles pensavam ter recrutado para a Marinha dos EUA, mas sua fonte era na verdade um agente duplo que trabalhava secretamente para o FBI.

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Em maio de 1978, o FBI prendeu e processou com sucesso dois cidadãos soviéticos que trabalhavam no Secretariado da ONU acusados de espionagem (REUTERS/Yuri Gripas/File Photo)

Então, em julho de 1978, um oficial de inteligência militar soviético (GRU) trabalhando na missão soviética da ONU em Genebra, Vladimir Rezun, desertou para a inteligência britânica. Sua missão, como mais tarde revelou publicamente sob o pseudônimo de Viktor Suvorov, era roubar segredos científicos e técnicos das potências ocidentais, especialmente dos Estados Unidos. Seu campo de caça foi a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), de acordo com o The Cipher Brief.

A inteligência soviética também penetrou em outros ramos da ONU, como a UNESCO e a OMS.

O Kremlin tinha um corpo de oficiais de inteligência se passando por diplomatas. Em novembro de 1984, os soviéticos tinham até 126 diplomatas credenciados na ONU em Nova York. Comparado com 59 nos Estados Unidos e 20 no Reino Unido. O arquivo do Ministério das Relações Exteriores britânico recentemente revelado diz que a maioria desses funcionários soviéticos estava “envolvida em trabalho de inteligência”, de acordo com o The Cipher Brief. Em 1980, a Suíça disse que dos cerca de 650 funcionários soviéticos que residiam lá, pelo menos 200 estavam envolvidos em espionagem.

Durante a Guerra Fria, ambos os lados trocaram expulsões de diplomatas suspeitos ou estabelecidos para serem oficiais de inteligência. Ao expulsar oficiais da inteligência soviética, os governos ocidentais os privaram de suas bases de recrutamento e de uma arquitetura para espionagem no Ocidente.

Em setembro de 1971, o governo britânico expulsou 105 “diplomatas” soviéticos do país no que chamou de Operação FOOT. Foi a maior expulsão desse tipo durante a Guerra Fria. Esta operação seguiu a deserção de um oficial da KGB na Grã-Bretanha, Oleg Lyalin, que trabalhava em seu departamento de sabotagem.

Operando disfarçado na Delegação Comercial Soviética, Lyalin revelou ao MI5 que sua missão era se preparar para operações de sabotagem contra a Grã-Bretanha quando eclodiu a Terceira Guerra Mundial, uma guerra quente entre a União Soviética e o Ocidente. Um ex-oficial de alto escalão da KGB, Oleg Kalugin, mais tarde afirmou que o FOOT desferiu um golpe na inteligência soviética na Grã-Bretanha do qual ele nunca se recuperou.

As atividades de espionagem do Kremlin na ONU não pararam no final da Guerra Fria. O serviço sucessor da KGB na Rússia, o SVR, continuou seu ofício, de acordo com a análise de Walton. Um desertor da SVR no final da década de 1990, Sergei Tretyakov, desertou para a CIA da missão russa da ONU em Nova York, onde supostamente era próximo de seu então chefe, Sergei Lavrov.

Atualmente, as agências de inteligência ocidentais estão recrutando oficiais de inteligência russos descontentes, trabalhando sob cobertura diplomática no Ocidente, que seguirão o caminho de seus antecessores soviéticos. Não é difícil imaginar oficiais de inteligência estrangeiros russos se sentindo abatidos e enojados com a guerra de Putin na Ucrânia, agora dispostos a compartilhar os segredos que sabem que estão do lado certo da história.

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